Construindo soberania alimentar com feminismo camponês e popular

16/10/2023 |

Por Alicia Amarilla, Elsa Sánchez, María Canil e Pancha Rodríguez

Mulheres da CLOC-Via Campesina apontam para a importância política dos espaços internacionais auto-organizados

La Via Campesina

“Com convicção, abrimos caminho ao feminismo camponês e popular, construímos a soberania alimentar e lutamos contra a crise e a violência”. Nós nos unimos com esse lema forte e potente, que nos representa como mulheres da Via Campesina. Com ele, destacamos um compromisso para os próximos anos.

A partir dos nossos territórios, temos feito uma história de luta contra o capitalismo, o patriarcado, o racismo e o avanço do fascismo. Em nossa articulação de mulheres, vivemos um processo de anos coordenando nossas demandas, ações e organização. Nossas companheiras são mulheres que têm um processo não só de teoria, mas de práticas.

Para alcançar a soberania alimentar, devemos falar sobre o papel e o impacto das mulheres. A preparação para a nossa 6ª Assembleia de Mulheres da Via Campesina é uma oportunidade de fortalecer a nossa visão comum. Ao longo do caminho procuramos novas soluções para os conceitos que conhecemos, bem como para propostas e demandas que vão surgindo nos territórios.

Assembleia das mulheres, um espaço de avanço organizativo

Na Assembleia, nós, mulheres de todo o mundo, nos reunimos com diversidade, nos irmanando. As companheiras de outros continentes parecem mais próximas quando abordamos todos os nossos problemas e a nossa experiência de luta. Nós fazemos história. E a história sempre nos traz ao presente, para que possamos prever o próximo passo que daremos.

Criamos uma mística do trabalho das mulheres e da vida camponesa que transcende barreiras e que poderá ser vista na Assembleia. Nela falaremos sobre a trajetória da Via Campesina, a relação com organizações aliadas, a presença e a luta das mulheres camponesas no contexto internacional e em cada região.

Como vamos promover o nosso trabalho na Assembleia? Quais serão nossas contribuições e iniciativas? Nesse sentido, é importante trabalhar a memória. Temos uma experiência acumulada de mais de 30 anos. Estávamos, por exemplo, em 1989, na assembleia para organizar o encontro no marco dos 500 anos da invasão da América. Nela, ergueu-se uma voz forte da América Latina dizendo que, a partir das nossas raízes, devemos nos descobrir, não para poder olhar o presente com otimismo, mas para encará-lo com muita determinação.

Das nossas propostas surgiram importantes campanhas na Via Campesina: pelas sementes, contra a violência contra as mulheres, contra os agrotóxicos. Agora, essa Conferência e essa Assembleia que se aproximam devem ser um impulso para as nossas ações futuras, aprofundando a construção do feminismo camponês e popular e potencializando a mobilização e a solidariedade em nível mundial.

Conjuntura atual para as mulheres

Uma das grandes dificuldades que abala hoje o nosso continente e o mundo é o renascimento do fascismo. Temos que estar alertas, aguçar a luta e continuar construindo ideias. O fascismo está inundando o nosso povo de medo, mas nós seguimos sem medo, com muita esperança. Temos que continuar fazendo nossos sonhos se tornarem realidade.

A covid-19 resultou das formas produtivas sistêmicas do capital e expôs a gravidade da crise mundial. Nós estávamos em casa, mas não em silêncio. Naquele período, acumulamos muita experiência e restabelecemos vínculos entre o campo e a cidade.

Lutamos pela soberania alimentar não só para que a agricultura camponesa continue produzindo alimentos – esta é a nossa responsabilidade – mas para garantir um direito humano fundamental, que é garantir alimentação aos povos do mundo.

Como Coordenação Latino-Americana de Organizações do Campo (CLOC-Via Campesina), contribuímos fortalecendo a coordenação internacional com processos regionais articulados, bem como fortalecendo as agendas feministas às quais nos convocam, como o 8 de março e o 25 de novembro.

Queremos avançar nos processos de formação em todos os níveis do nosso movimento. A formação nos ajuda a compreender as bases da opressão e da violência, e a construir estratégias para superá-las. Queremos formar formadoras, trocar modos de luta e organização regional, bem como fortalecer as nossas ferramentas de comunicação, que são essenciais para difundir nossos processos e lutas, especialmente com a participação das jovens das regiões.

Feminismo camponês e popular

Atualmente, temos um novo cenário para o desenvolvimento do movimento feminista, o que nos impõe questões. O feminismo emergiu nestes tempos de uma forma muito forte e esperançosa. Ao mesmo tempo, também sob uma metodologia desanimadora em determinados sentidos e setores. O nosso feminismo, como dissemos desde o início, é um feminismo de classe, que está dentro de um quadro político e procura a construção do socialismo.

Na América Latina, nossa proposta parte dos princípios da história do nosso movimento. Antes dizíamos que “sem feminismo não há socialismo”. Mas, passamos por um processo de amadurecimento, pensando que nossos desafios a cada momento têm que se constituir em ações positivas. Avançando nesse debate, passamos a dizer que “com feminismo, construiremos o socialismo”.

Esse avanço é o empoderamento político das mulheres camponesas, indígenas e negras nas nossas organizações membro. Temos certeza de que as mudanças só serão possíveis quando elevarmos o nível de organização e a consciência coletiva. Tomamos medidas significativas para ressaltar que estamos lutando pelo poder. É de suma importância que as mulheres participem na tomada de decisões e na execução de ações políticas públicas mais decisivas, transformando em realidade o que está pautado na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses (UNDROP, sigla em inglês).

A Declaração aponta para uma perspectiva feminista, segundo a qual não é possível avançar sem a plena participação das mulheres. Na nossa história, exigimos paridade de gênero, que não é “meio a meio”, mas sim responsabilidade, caminhos partilhados na luta, construção política ao mesmo tempo. E não somos, cada uma de nós, “apenas mais uma”; somos a voz de todas as outras mulheres que representamos nessas instâncias políticas.

Nós, mulheres, mostramos nossa força: sim, somos uma construção política; sim, somos um avanço na luta camponesa e temos sido guias para a ação da Via Campesina.

Marcamos o território em questões fundamentais. Dissemos que a soberania alimentar nos permitiu recuperar a identidade. E temos lutado incansavelmente pela soberania alimentar, colocando no centro todo o conhecimento, experiência e sabedoria das mulheres. Temos que fazer uma forte ofensiva das mulheres nos espaços de poder de maior relevância, procurando utilizar a nossa principal ferramenta de batalha, que é a Declaração.

Já começamos a legitimar um feminismo a partir da nossa luta, identidade, propostas e demandas. Esse feminismo precisa ser amplamente abordado junto aos nossos companheiros homens, em cada um dos nossos territórios. Vamos tornar o nosso lema uma realidade.

Alicia Amarilla mora no Paraguai, Elsa Sánchez na República Dominicana, María Canil na Guatemala e Pancha Rodríguez no Chile. As quatro fazem parte da articulação de mulheres da Coordenadoria Latino-Americana de Organizações do Campo (CLOC-Via Campesina). Este texto é uma edição de suas intervenções na oficina virtual “Construindo a soberania alimentar e o feminismo camponês e popular”, realizada em setembro de 2023, em preparação para a 6ª Assembleia de Mulheres da Via Campesina, que acontecerá no dia 2 de dezembro de 2023, em Bogotá, Colômbia. A conferência ocorrerá, então, antes da 8ª Conferência Internacional LVC, que será entre 1 e 8 de dezembro.

Traduzido do espanhol por Aline Lopes Murillo
Edição e revisão da tradução por Helena Zelic

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