Código das Famílias em Cuba: até que o amor seja lei

23/09/2022 |

Por Beatriz Ramírez López

Saiba o que muda com o novo Código das Famílias de Cuba, que irá a plebiscito neste 25 de setembro

Beatriz Ramírez López / Muchacha

Para crianças e adolescentes, para avós e avôs, para pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade, para pessoas que foram discriminadas, para homens e mulheres igualmente, para grupos populacionais historicamente invisibilizados… Esse é um Código que não exclui. Um Código de direitos e de amor.

No dia 25 de setembro, Cuba ratificará, através do voto, um novo Código das Famílias, com base na pluralidade, nos afetos e na justiça social.

Já na Constituição da República de 2019, foi introduzida uma série de princípios que respondia à evolução, ao desenvolvimento e à transformação da família cubana. A estrutura familiar, estabelecida como o órgão fundamental da sociedade, deixava ali de ser concebida segundo o modelo tradicional e patriarcal.

A Carta Magna de Cuba não instituiu apenas os preceitos da diversidade familiar, e sim a igualdade de todas as pessoas, independentemente de raça, gênero, orientação sexual ou identidade de gênero. Assim, esta declaração [em votação agora] leva ao reconhecimento legal dos mesmos direitos e liberdades.

Durante os meses de fevereiro e abril deste ano, foi realizado em todo o país o processo de Consulta Popular do anteprojeto do Código das Famílias. Nos espaços de discussão, o texto inicial foi sendo modificado e ajustado segundo as percepções e necessidades da população cubana. De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral, mais de 61% dos participantes manifestaram-se a favor do Código.

Esta nova legislação, que substituirá o atual Código de Família, em vigor desde 1975, estabelece uma concepção de família muito distante dos padrões religiosos e machistas impostos no passado. Ela também estabelece o paradigma de ambientes livres de violência, uma criação respeitosa e afetuosa e a primazia de todos os direitos para todas as pessoas.

Um Código para todas as famílias

Onze títulos, 474 artigos, 5 disposições transitórias e 44 disposições finais é a estrutura do projeto de lei que será submetido a referendo popular neste domingo.

Para militantes, feministas, pessoas da comunidade LGBTQI+ e outros coletivos, este Código é um sonho consagrado em muitos anos de luta.  Ele se justapõe à vontade política de criar uma sociedade inclusiva, com todas as nuances e diversidade dos seres humanos.

Um dos assuntos mais revolucionários, e amplamente debatidos em um Estado que está assentado em uma forte base de igrejas católicas e protestantes e com um patriarcado enraizado, é o reconhecimento da união legal entre pessoas do mesmo gênero e o direito à adoção.

A proteção de setores menos favorecidos da sociedade, como idosos, pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade, está incluído no texto substantivo da família. Nele, seus direitos são reconhecidos, com a garantia de que serão cumpridos. 

O novo Código também estabelece a defesa dos idosos e seu papel no lar como sujeitos importantes e ativos, com o reconhecimento de sua contribuição para a guarda e proteção dos bebês. Como resultado, são concedidos às avós e aos avôs direitos para criar seus netos em casos de abandono dos pais ou por qualquer outro motivo. Ele também estabelece o direito à autodeterminação e à igualdade de oportunidades no ambiente familiar.

O cuidado e a proteção das crianças tem sido um ponto central do debate. Primeiramente, o termo “pátrio poder” é substituído por “sistema de responsabilidade parental”, enfocando a criação dos pais não como um exercício de posse e violência, mas como um processo baseado no respeito, no diálogo e no carinho. Ao mesmo tempo, crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos, respeitando suas ideias e pensamentos em consonância com sua autonomia progressiva.

Com relação à filiação, são criadas novas regulamentações. A que existe atualmente por consanguinidade e adoção é estendida a casais do mesmo gênero e são introduzidos o parentesco sócio-afetivo e o reconhecimento de técnicas de reprodução humana assistida.

O novo Código das Famílias de Cuba é uma necessidade. Como país, temos uma dívida histórica com determinados grupos populacionais e precisamos de regulamentos, estratégias e mecanismos legais que vá ao encontro dos tempos atuais.

Los Trabajadores, 2022.

Os desafios para as famílias cubanas

Nesta era de desinformação, tem sido um desafio introduzir novos termos jurídicos devido à manipulação da mídia e de uma cultura altamente machista e resistente à multiplicidade de estruturas familiares.

Nesse sentido, os fundamentalistas religiosos criaram campanhas de apoio à “família original” e diversas outras para distorcer o significado da responsabilidade parental e da educação com perspectiva de gênero.

Uma das estratégias promovidas pelos líderes religiosos tem sido a disseminação do medo em relação à suposta “homossexualização” e sexualização através da educação e a separação de pais e filhos quando o governo julgar conveniente.

Os setores ultraconservadores em Cuba atualmente estão empenhados em uma educação altamente sexista e repleta de estereótipos de gênero, bem como em uma criação exercida através da imposição.

Mas o debate não tem sido exclusivamente sobre o controle e a manipulação de crianças. Também são questionados os direitos conquistados pelas mulheres cubanas há décadas, como o acesso ao trabalho e ao aborto. Da mesma forma, vem sendo reiterado o discurso sobre esposas submissas, cuja missão social e divina consistiria exclusivamente no cuidado familiar e na reprodução.

Além da homofobia, da transfobia e da misoginia que caracteriza esse setor, as comunidades progressistas da ilha enfrentam uma série de preconceitos e estereótipos no imaginário coletivo. A direita radical tem utilizado o voto popular como arma política, com inúmeras campanhas de manipulação nas redes contrárias aos direitos.

As estruturas patriarcais cimentadas na sociedade pareciam ser imutáveis. E embora a conscientização para erradicar as práticas que naturalizamos há décadas seja um processo de longo prazo, a existência de uma legislação que reconhece a violência de gênero, a dupla jornada de trabalho das mulheres, o papel primordial das cuidadoras e condena a violência intrafamiliar em todas as suas manifestações, é um passo verdadeiramente revolucionário.

Isso porque o projeto de Código das Famílias em Cuba evidencia a necessidade de uma distribuição equitativa do trabalho doméstico, uma carga que historicamente tem sido carregada pelas mulheres. Ele reconhece o direito das mulheres cubanas de se desenvolverem sem ficarem sobrecarregadas em casa. Por outro lado, ele estabelece pela primeira vez a proteção das pessoas cuidadoras e a busca da felicidade.

Diante desse cenário, a luta pela diversidade, o respeito dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, o fim da discriminação em todas as suas manifestações, a condenação de todos os tipos de violência familiar, é hoje, mais do que nunca, uma batalha que devemos vencer.

Beatriz Ramírez López nasceu em Havana, Cuba, en 1998. É formada em jornalismo pela Universidad de La Habana e atua como jornalista na Editora da Mulher [Editorial de la Mujer]. Dirigiu a websérie documentário La palabra maldita [A palavra maldita], sobre mulheres e coletivos feministas, para a Revista Muchacha.

Revisão por Helena Zelic
Traduzido do português por Luiza Mançano
Idioma original: espanhol

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