Minha história é a mesma de muitas mulheres palestinas. Fiquei exilada por 30 anos. Não podia entrar no meu país, mas, fora dele, passei a lutar inclusive na resistência armada. Fui comandante de um grupo de resistência armado no Líbano. Na Líbia, no Iraque, na Síria, e em todos os lugares onde há campos de refugiados palestinos, não podemos ter uma vida normal. Em todos os países para onde vamos não temos a possibilidade de viver e ter estabilidade. São outros países, com outras culturas, outros contextos.
Minha reação natural foi a de seguir lutando. O que me restava de esperança era não morrer fora da Palestina, não ser enterrada fora de lá. Ainda fiquei presa por cinco anos. Quando me levaram para a prisão, eu estava brincando na rua, era uma menina. Eles me fizeram algumas perguntas. Eu tinha escrito algumas frases de solidariedade em um pedaço de papel. Quando me perguntaram sobre essas declarações, lhes disse: “não sei, não sei de nada”. Minha mãe me dizia: “Se eles conseguirem te fazer falar, você não será mais minha filha, nunca terá sido”. Foram essas as palavras que soaram em meus ouvidos e me fizeram forte.
Fui julgada em um tribunal militar. Tinha quinze anos, deveria estar na escola, deveria estar brincando com as outras meninas. Mas, naquele momento, precisei ter mais do que 15 anos. Sempre dizemos que nascemos mais velhos, já nascemos grandes. Nascemos mais velhos porque, desde criança, a tragédia e o desastre fazem parte da nossa vida.
Com essa guerra, com o genocídio, eles impõem o apartheid, o racismo. Assim, Israel tenta se livrar totalmente do povo palestino. Existem famílias inteiras que deixaram de existir em Gaza. Famílias em que não restou pai, mãe, filhos, netos, não sobrou nada nem ninguém. Essa é uma guerra mundial. Gaza é o título principal, mas a guerra em Gaza é uma guerra contra todos os povos livres no mundo. O objetivo do imperialismo, internacionalmente, sob a liderança dos Estados Unidos, é dominar o que chamamos de região árabe. Os EUA são a cabeça da cobra, o país que ateia fogo em todos os lugares.
Um povo sob ocupação e conquista deve resistir até a morte. Mas o conquistador não tem nada a dizer sobre resistência, sobre autodefesa. De que autodefesa eles poderiam falar? Infelizmente, há muita manipulação midiática em todo o mundo. Não existirá liberdade no mundo enquanto formos impedidos de ter um Estado livre. Precisamos de uma revolução cultural capaz de transmitir a narrativa verdadeira a todo o mundo, esquivando-se da manipulação que praticam os meios de comunicação controlados pelos sionistas e pelos imperialistas em várias partes do mundo. São criaturas vampirescas que chupam o sangue dos povos livres.
No mar de Gaza há muito gás natural. Um dos objetivos que pretendem alcançar com essa guerra é o controle dos recursos naturais. Os imperialistas querem varrer a Palestina do mapa e mudar totalmente as características geográficas, morfológicas, históricas e culturais do Oriente Médio, para que essa região se torne apenas uma fonte de gás e petróleo para eles.
Muitos acreditam que Israel é o país que detém a terra. Lendas e mentiras religiosas sustentam que já estavam aqui a não sei quanto tempo. Lamentavelmente, esse tipo de mito inspirou o famoso acordo entre a Inglaterra e a França de 1917, que criou o Estado sionista como um projeto colonial na Palestina. E agora dizem que são muito benquistos por Donald Trump. Ora, se o Trump quer presenteá-los, que lhes entregue Washington ou qualquer outro pedaço de terra por lá, sem pôr as mãos na terra alheia.
Não temos nada contra judeus, cristãos ou muçulmanos; somos contra a conquista. Somos contra a colonização.
Somos um povo como todos os outros povos do mundo. Temos o direito de ter um Estado independente, com a capital em Jerusalém. Gaza é uma revolução de todas e todos aqueles que são e querem ser livres, uma revolução primordial. E é por isso que, daqui de Gaza, da Palestina, queremos expressar nossa gratidão a todas e todos os companheiros de tantos lugares do mundo que nos ajudam a erguer a voz e falar.
Apreciamos muito o papel do Líbano e de outros tantos países que perderam milhares de pessoas pelo seu apoio ao povo palestino.
Mesmo que nos reste apenas uma mulher com um embrião, desse embrião nascerá a resistência contra Israel. Essa entidade artificial fabricada, esse projeto colonial chamado Estado de Israel, um dia chegará ao fim. Esse é o nosso sonho. Confiamos e acreditamos plenamente que a vitória virá.
As mulheres palestinas veem o teto cair sobre a cabeça de seus filhos e corre para a rua, onde só há aviões e escopetas. Elas não têm comida nem medicamentos para seus filhos, não têm nada. Portanto, precisamos formar uma frente feminista internacional contra o imperialismo, para apoiar as mulheres palestinas e pôr fim à guerra.
As mulheres são metade da comunidade e da sociedade. São as mulheres palestinas que parem e educam a sociedade futura. Saudações a todas as mães, a todas as mulheres e a todos os grandes líderes, Marwan Barghouti, Ahmed Saadat, entre outros, às 94 mulheres palestinas assassinadas na prisão e aos 12 mil prisioneiros palestinos que estão em solitárias nas cadeias sionistas. A luta não é feita só com armas, é feita também por meio de outras formas de resistência. Educar as crianças é uma forma de lutar, ensiná-las sobre sua identidade, para que se identifiquem como palestinas, isso também é lutar.
As mulheres palestinas são fonte de terror para os sionistas. As mulheres palestinas estão lutando em todos os campos, em todas as áreas, em todos os domínios.
A democracia e a liberdade não virão da terra ocupada. O que precisamos é paz: paz justa para todo o mundo, não uma paz baseada em dominação ou hegemonias. Nós queremos um mundo sem fascismo, sem racismo, sem conquistas e colonização. Um mundo socialista, um mundo livre, um mundo de democracia verdadeira — não uma democracia fingida, falsificada. A luta unitária e solidária de todas as mulheres e homens é a força contra o imperialismo, contra o bloco do mal, contra o fascismo.
Esse texto é uma edição da fala de Maryam Abu Daqqa durante a conferência de imprensa realizada pela Alba Movimentos em novembro de 2024.