Al Khadra: “ninguém me ensinou a ser poeta”

29/10/2021 |

Por Capire

Publicamos a tradução de um poema de Al Khadra, referência da poesia saarauí em defesa da autodeterminação

Scottish Documentary Institute

Neste mês de outubro, as mulheres do Saara Ocidental e de todo o mundo se despediram da poeta Al Khadra Mabruk. Nascida em 1938, Khadra criou poemas que atravessaram as décadas das lutas anticoloniais no Saara Ocidental. Desde 1975, o povo saarauí resiste às múltiplas violências da ocupação marroquina em seu território. A União Nacional de Mulheres Saarauís (UNMS) escreveu, no último dia 14, que “a cultura saarauí está de luto. (…) Nunca esqueceremos sua contribuição para manter viva a marca da mulher saarauí na poesia”.

Em novembro de 2020, a Frente Polisario declarou guerra ao Marrocos, em resposta  à violação marroquina do cessar-fogo, à criminalização das lutadoras e lutadores à militarização da vida. Essa nova realidade de luta acirrada tem resultado em um cotidiano marcado por frequentes ataques violentos e crimes de guerra por parte do exército marroquino.

A poesia de Al Khadra foi reconhecida por formular imagens de resistência e, assim, unir arte e política em um contexto no qual viver já é se posicionar. Al Khadra teve uma história pautada pelo desejo de libertação e autodeterminação do povo saarauí e denunciou a violência das forças coloniais. “Meu sonho é ver meu povo vivendo com independência. Uma vida sem sua própria terra não é vida”, afirmou no documentário Al Khadra: Poeta do Deserto [Al Khadra: Poet of the Desert], de Noe Mendelle (disponível com legendas em inglês).

Ninguém me ensinou a ser poeta. Ninguém me disse ‘é desse jeito que se faz’. Poesia é uma libertação da alma.

Seus versos eram criados oralmente e, depois, redigidos por pessoas amigas ou familiares. Sua neta, a cantora Aziza Brahim, foi uma das que cumpriu esse papel de cumplicidade e confiança. Seu primeiro álbum, Mabruk, é uma homenagem à avó e à história de seu povo.

As mulheres saarauí fizeram tudo pela revolução. Não há nada que elas não tenham feito. Qualquer trabalho que os homens fizessem, as mulheres assumiam e faziam.

Subi e entrei num tanque
sob a sombra de uma árvore,
os revolucionários sorriram,
os marroquinos tremeram.

O tanque levou armas ao meu povo
e partiu deslizando,
ciente do sentido da luta
avançando, defendendo e atacando.

Dentro dele, um bravo exército
que sabe
manusear armas
em sua terra ocupada.

Humilhado, combateu
sem piedade o inimigo
para reduzir suas armas
e seu propósito a pó.

Redação de Helena Zelic
Poema traduzido do inglês por Aline Scátola

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