Com a realização de uma série de ações, a Via Campesina (LVC) reafirma sua solidariedade inabalável com as agriculturas e os agricultores palestinos e a luta mais ampla pela libertação da Palestina, e reconhece a conexão íntima dessa batalha com a luta pela soberania alimentar, os direitos da população camponesa e o direito coletivo das pessoas de determinar seus próprios sistemas alimentares. A LVC denuncia que a fome e a destruição de todas as formas de produção e distribuição de alimentos têm sido uma arma sistemática da ocupação e do genocídio israelense. A organização afirma que “ouvir os testemunhos revela que impedir o acesso às sementes, destruir a infraestrutura hídrica e perseguir pescadores e agricultores são componentes constitutivos dessa estratégia”.
Representando mais de 200 milhões de pessoas camponesas que constroem a organização ao redor do mundo, dois integrantes da LVC estão na embarcação Handala, a atual missão de solidariedade pacífica organizada pela Coalizão Flotilha da Liberdade. Hatem Aouina, da Tunísia, membro da Associação Um Milhão de Mulheres Rurais e Sem Terra e representante regional da Via Campesina no Norte da África e Região Árabe (ArNa), “exemplifica a solidariedade popular dos movimentos camponeses com o povo da Palestina, que atualmente está enfrentando níveis inéditos de violência, cerco e fome”, declarou a LVC. Com a continuação dos ataques e das agressões à embarcação, todas as atenções se voltam para Gaza e para a denúncia do bloqueio que afeta mais de 2 milhões de pessoas palestinas.
No dia 26 de junho de 2025, no esforço de seguir condenando a destruição de Gaza e de seus sistemas de vida, e também para compartilhar informações e experiências de solidariedade de todo o mundo, a organização realizou o webinário global “All Eyes on Gaza” (Todos os olhos em Gaza). Esse evento prestou homenagem a dois integrantes da LVC em Gaza que foram mortos em um ataque aéreo israelense recente. Morgan Ody, coordenadora internacional da LVC, afirmou que o webinário foi dedicado “à memória e ao respeito a todas as pessoas agricultoras, sobretudo às mulheres agricultoras de Gaza, que resistem todos os dias produzindo alimentos e alimentando a população”.
Torkia Cheibi, da Associação Um Milhão de Mulheres Rurais da Tunísia, participou da caravana “Sumud”, que viajou por terra, e denunciou a violência sofrida pelos militantes que participaram da jornada. A Sumud tinha o objetivo de levar ajuda humanitária a Gaza e sofreu diversas violações. Seus integrantes tiveram negado o acesso a alimentos e sofreram resistência ao montar acampamentos. A caravana foi interrompida na Líbia. Além da violência contra as pessoas que participavam dessa ação, Torkia denunciou a quantidade de desinformação em torno das atividades e da organização. “O único objetivo da caravana era romper o cerco ao povo palestino. Reforçamos que qualquer desinformação sobre a caravana apoia apenas aqueles que normalizam a parceria com os israelenses. O alvo deles são os símbolos da resistência, em uma tentativa de eliminar qualquer forma de resistência que possa se opor a eles”, afirmou.
Queríamos romper o silêncio e o medo que muita gente sente porque, como pessoas árabes, estamos enfrentando muitos problemas, como a normalização das relações entre nossos governos e o governo sionista. Essa caravana foi uma vitória para a nossa dignidade. Essa é uma forma de resistência, usando nossos corpos como armas para impedir o genocídio. Foi também uma resposta às ações da ocupação israelense, não apenas em Gaza, mas também na Cisjordânia, na Palestina como um todo, no Irã e no Líbano.
Torkia Cheibi
Layla Jandoubi, também da Associação Um Milhão de Mulheres Rurais, explicou: “Chegamos à região leste da Líbia, tínhamos avançado 40 quilômetros, quando encontramos a estrada bloqueada. Fomos cercados pelas forças de segurança líbias e não nos permitiram passar. Passamos quatro noites em um acampamento no deserto e enfrentamos uma dificuldade imensa”. Apesar de tantos desafios impostos por Israel, “a caravana Sumud continua sendo uma experiência a ser construída. Nós voltaremos e mais caravanas virão por aí. Ergueremos nossa voz para o povo”.
Anuka de Silva, integrante da LVC no Sri Lanka, explicou a luta histórica travada em seu país pela libertação da Palestina, em que os movimentos locais denunciam as parcerias entre o governo cingalês e Israel: “O governo do Sri Lanka desempenha um papel duplo no conflito palestino-israelense. É contínuo o envio de trabalhadores para Israel, incluindo dos setores da construção civil, da saúde e da agricultura. Estamos exercendo uma enorme pressão sobre o governo para que interrompa o turismo vindo de Israel, pois esse também é um grande problema em nossos países asiáticos. Eles estão tentando espalhar sua ideologia sionista pelo mundo”, denuncia.
Elisa Mascetti, da Associação Rural Italiana, organização que integra a LVC, participou da delegação internacional que visitou Cisjordânia em dezembro de 2024. Ela afirmou que “todos os camponeses e camponesas de todo o mundo veem que a primeira prioridade neste momento é resistir no território, como na Palestina, e em todos os outros lugares onde o colonialismo e o capitalismo estão tentando roubar nossa terra, nossa água, nossos alimentos e nossa soberania alimentar”. Morgan apoiou a fala, dizendo que as mobilizações mais amplas são importantes para mostrar as relações entre a luta de diferentes movimentos contra o genocídio na Palestina e contra a indústria militar na Europa. “Acreditamos que é nossa responsabilidade, como agricultoras e agricultores europeus, juntamente com todas as cidadãs e todos os cidadãos europeus, exigir a suspensão imediata do acordo UE-Israel. A segunda coisa é interromper o envio de armas para Israel”.
Samba Fatou, representante da África Ocidental e Central no Comitê de Coordenação Internacional da LVC, lembrou como os conflitos ao redor do mundo estão interconectados. Ela denunciou como as guerras têm impactos globais, sobretudo para as mulheres e a população agricultora: “As guerras têm consequências amplas para as mulheres da África Subsaariana, especialmente as das comunidades rurais. Elas estão sempre entre as primeiras a sofrer quando os sistemas globais falham. Com a redução de insumos no continente africano e o aumento do preço dos alimentos, as mulheres, que são as principais responsáveis pela nutrição das famílias, são forçadas a fazer escolhas impossíveis. O impacto indireto da guerra sobre as mulheres não é combatido com bombas, mas com pobreza, fome e perda de oportunidades”.
Micherline Islanda, do Haiti, destacou a necessidade de um movimento de solidariedade global com as pessoas camponesas de todo o mundo. “Nós, povo haitiano, travamos nossa luta permanente contra o imperialismo e defendemos de forma inequívoca a dignidade humana”. Nesse sentido, a conversa terminou com uma convocação para o 3.º Fórum Global Nyéléni, que reunirá movimentos de todo o mundo para discutir a soberania alimentar e a mudança de sistema. O evento será realizado em setembro, no Sri Lanka.
Sobre o Fórum Nyéléni, Morgan explicou como o objetivo é construir uma aliança que confronte o sistema de dominação responsável pelos conflitos que estamos enfrentando na atualidade. “Precisamos fazer um esforço para construir essas alianças fortes com organizações ambientais, com movimentos feministas, com povos indígenas de todo o mundo. Pode ser esse internacionalismo que estamos construindo entre os movimentos sociais o que mudará o mundo para melhor, o que nos tirará dessa crise tão pesada”.