Mesoamérica em luta contra os impactos do capital extrativista

17/01/2025 |

Por Movimento Popular Mesoamericano

O Movimento Popular Mesoamericano analisa a resistência histórica dos povos da região contra o imperialismo e a exploração de seus territórios

A região mesoamericana está localizada no território atualmente ocupado pelo México, Guatemala, El Salvador, Belize, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá. A população atual em nossa região é estimada em aproximadamente 185 milhões de pessoas, cujas origens ancestrais são encontradas em nossos povos originários: Olmeca, Zapoteca, Maia, Teotihuacan, Mixteca, Asteca, Tolteca, Chorotega, Cacaopera, Sutiaba, Náhuatl, Miskitu, Mayangna, Rama, Afrodescendentes, Cabécares, Térrabas, Borucas, Huetares, Malekus, Ngäbe, Buglé, Guna, Emberá, Wounaan, Bri Bri, Naso Tjërdi, Bokota, Nahuapipil, Ch’orti, Lenca, Nahuas, Pech, Tawahka, Tolupán, Maya-Chortí, Garífuna, Xinka, Ladino.

Nossa região tem sido, historicamente, um território de disputa permanente. Representamos mais de 12% da biodiversidade do planeta por conta da nossa localização geográfica, dos nossos processos de resistência, das insurgências que surgiram em vários desses territórios e dos processos de luta dos povos indígenas e camponeses. Além disso, é importante entender que a região por si só já é complexa por natureza, e que as condições atuais de profunda desigualdade têm a ver com modelos de produção cujas bases são a espoliação e a despossessão de territórios e de suas populações.

Um exemplo claro disso pode ser encontrado nos registros históricos. Desde o século XIX, a atividade produtiva na região tem sido organizada em torno da agricultura de exportação. Aqui encontramos os principais antecedentes da presença do capital corporativo transnacional, sustentado pela superexploração da terra e pela exploração do trabalho na região. Essa atividade girava em torno principalmente da produção de banana, café e açúcar.

O capitalismo extrativista como um instrumento de opressão

É importante mencionar que aqui o capital estabeleceu uma aliança político-econômica com a burguesia da região. Essa classe, formada por latifundiários, não só concentra em seu poder a terra, como resultado da exploração do trabalho, mas também as diferentes formas de repressão e criminalização dos setores indígena e camponês. Um exemplo disso está em El Salvador, onde a reestruturação agrária, que se baseou principalmente na expansão da produção de café, implicou uma modificação do modelo baseado no manejo comunal da terra, que desapareceu para beneficiar as elites e os grupos de poder. Com o amparo das reformas agrárias realizadas na região, a terra passou de propriedade comunal para propriedade privada, com base na “necessidade de investimento”. Esse foi um fator fundamental no processo de revolta e luta popular que levou à repressão e à criminalização do povo salvadorenho.

Outro caso é o das monoculturas de banana. O principal país produtor e exportador da região era Honduras. Como consequência da imposição desse modelo estão as lutas que os camponeses e os povos indígenas tiveram de travar para defender seu direito à vida e à terra. O capital latifundiário não apenas financia as atividades de produção, mas também as unidades armadas de repressão contra a população civil.

As corporações transnacionais vêm operando em nossa região há mais de dois séculos, seguindo a lógica da opressão e da acumulação dos bens de nossos povos. Mas essa opressão não se restringe apenas às formas de produção e comércio, pois tem a ver com a expansão do imperialismo e a criação de conflitos sociais nos territórios. É o caso das guerras que ocorreram na década de 1980 em países como Nicarágua, El Salvador e Guatemala, onde os Estados Unidos tiveram um papel decisivo, por meio da assessoria militar e do financiamento destinados à manutenção dessas guerras, criadas como estratégia de dominação dos povos, para deter os processos de reivindicações sociais de acesso à terra, a uma vida digna. Elas também foram uma estratégia para impedir a “disseminação do comunismo”.

Calcula-se que, na Nicarágua, mais de 150 mil pessoas perderam suas vidas em decorrência dessa guerra. No caso de El Salvador, estima-se que, entre 1979 e 1992, mais de 75 mil pessoas morreram em decorrência do conflito. No caso da Guatemala, mais de 200 mil pessoas morreram e cerca de 45 mil desapareceram. Nesse sentido, é importante destacar a crueldade da política externa dos EUA. A magnitude das ações executadas pelas forças militares da Guatemala contra os povos indígenas desse país, com o apoio dos Estados Unidos, constitui um genocídio.

A região é uma área que tem sido historicamente criminalizada pelas forças capitalistas locais e estrangeiras, sustentadas por aparatos repressivos que sempre contaram com assessoramento e financiamento imperialistas. Na década de 1990, esses territórios em disputa foram submetidos a medidas de ajuste estrutural, dando lugar a modelos de privatização e às expressões mais tangíveis das políticas neoliberais.

Uma das faces do neoliberalismo

No final da década de 1980, surgiu o chamado Consenso de Washington, um conjunto de reformas de política econômica que os países da América Latina e do Caribe deveriam seguir para alcançar o “desenvolvimento”. Para isso, foram delineadas dez estratégias a serem implementadas: disciplina fiscal, reordenação das prioridades de gastos públicos, reforma tributária, liberalização financeira das taxas de juros, regime de taxas de câmbio competitivas, liberalização do comércio (antessala dos acordos de livre comércio), liberalização do investimento estrangeiro direto, privatização de empresas públicas, desregulamentação do mercado e direitos de propriedade.

Esse contexto marcou uma era de grandes desafios na região. Na década de 1990, foram estabelecidas as bases para a assinatura do Tratado de Livre Comércio (TLC) entre os Estados Unidos, a América Central e a República Dominicana (CAFTA-DR), assinado por todos os países da América Central entre 2003 e 2005. Esse acordo abrangeu quatro principais áreas de implementação: assuntos institucionais e administrativos, comércio de bens, comércio de serviços e investimentos, compras públicas de bens e serviços, entre outros.

Entre as consequências que esse acordo comercial trouxe para a região estão: o aprofundamento das desigualdades socioeconômicas já existentes; reformas fiscais em favor dos “investidores” em detrimento dos direitos dos povos; mudanças legislativas sobre propriedade intelectual; reformas nos direitos trabalhistas (precarização do trabalho); repressão das lutas por direitos sociais; exploração dos territórios; aumento dos monopólios; e fragilização e falência dos setores de pequenos produtores nacionais.

Foi também no final da década de 1990 que foi revelada outra ameaça, conhecida como Plano Puebla Panamá (PPP). Formalmente, ele foi apresentado como uma proposta do governo mexicano (representando os interesses do governo dos EUA) para promover a integração da região mesoamericana. O plano consistiria na construção de uma rede de infraestrutura de transporte e comunicações, com o suposto objetivo de promover o “desenvolvimento” econômico e social da região.

No entanto, o PPP fazia parte das estratégias da arquitetura imperialista para garantir o controle e a exploração dos recursos naturais estratégicos da nossa região, bem como o controle das dinâmicas territoriais das principais áreas que, em toda a região, mantinham um tecido organizacional popular. Esse controle constituía um dos principais objetivos por trás dessa proposta.

Quando colocamos em perspectiva os elementos compartilhados e fazemos um paralelo com a realidade que estamos vivendo hoje, parando para analisar suas causas estruturais, podemos entender que as estratégias de livre comércio, de expansão e aprofundamento do modelo extrativista têm uma lógica que se mantém: garantir o lucro em detrimento da vida das pessoas. Atualmente, mais de 50% da população está em situação de pobreza. Em 2023, mais de 1,5 milhão de pessoas da região tiveram que migrar, 65% delas com menos de 35 anos.

Essa lógica também se sustenta com a criminalização das pessoas que defendem os direitos, uma medida que busca proteger os investimentos e intimidar as populações. Dados da Global Witness de setembro de 2024 mostram que, no México, mais de 70% do número de assassinatos em 2023 foram de indígenas. A maioria das vítimas estava lutando contra a mineração em seus territórios. Em Honduras, 18 ativistas que defendiam seus territórios foram assassinados.

As lutas não se detêm

Em toda a região mesoamericana, as organizações populares estão se mobilizando em vários territórios, pois só a mobilização social permite alcançar as transformações necessárias para construir um presente e um futuro digno, com justiça e igualdade para os povos.

Na região, há setores diversos e amplos que estão se organizando a partir de interesses ou lutas comuns, como pelo direito à terra, o direito ancestral ao território, o direito à moradia digna e segura, o direito de preservar nossos idiomas, o direito à água, à alimentação saudável, pela defesa de territórios livres da mineração e do turismo extrativista, contra as hidrelétricas, pelo direito à produção orgânica, contra todas as formas de exploração e contra todas as formas de violência, contra o capitalismo imperial, contra o patriarcado, contra a militarização, pelo direito e autonomia de nossos corpos, pelo direito das crianças, adolescentes e jovens a viverem livres de qualquer tipo de violência, exploração e exclusão, o direito ao cooperativismo, o direito à mídia alternativa, o direito de construir outras formas de política, o direito à educação livre e inclusiva, ao resgate da memória e à felicidade dos povos.

Com certeza há muitas outras expressões de luta que não foram mencionadas neste texto. Isso faz parte da diversidade e do acúmulo que construímos ao longo da história. Também faz parte do legado que nossas avós nos deixaram e faz parte da memória que corre em nossas veias, como povos que sempre lutaram, do raiar ao pôr do sol, e que mesmo em meio à escuridão continuamos de pé.

O Movimento Popular Mesoamericano é um espaço que aglutina diversas expressões populares da região mesoamericana para enfrentar as ameaças dos acordos de livre comércio.

Edição e revisão por Helena Zelic
Traduzido do espanhol por Luiza Mançano
Idioma original: espanhol

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