Pedagogia feminista em prática: conheça o livro-guia “Educação popular feminista decolonial”

10/03/2023 |

Por Sandra Morán e Gina Alfonso

Em trecho do livro com acúmulos e metodologias da Escola para Facilitadoras, Gina Alfonso trata sobre o papel da mediação pedagógica

O contexto político e econômico global é um território de luta que nos desafia a fortalecer os movimentos sociais e encontrar maneiras de resolver os graves problemas que vivemos e enfrentamos no dia a dia. Constituir-nos como sujeitos políticos e sociais, e fazer avançar nossas propostas, continuam sendo desafios, razão pela qual a formação política e os processos de formação são ações e decisões estratégicas dos movimentos sociais que fortalecem a organização, a articulação e a formação de movimentos capazes de mudar a realidade em que vivemos e de construir uma alternativa de vida

Num contexto de pandemia muito adverso em nível global, mas com muitos sinais de esperança e força provenientes dos povos, mulheres de base, indígenas, afro-descendentes, de muitas nacionalidades e diversidades sexuais e de gênero, estamos desenvolvendo a Escola Internacional para a Organização Feminista “Berta Cáceres” durante o ano de 2021. Uma escola de formação política feminista destinada a companheiras e companheires que exercem sua liderança em organizações como a Marcha Mundial das Mulheres, a Rede Ambiental Indígena (IEN), a Grassroots International e a Aliança Popular pela Justiça Global (GGJ). Esta escola tem como objetivos desenvolver o pensamento e compreensão política da realidade global das mulheres, dos povos e das diversidades sexuais e de gênero, fortalecer as alianças e o trabalho organizativo, e propor a economia feminista como uma alternativa ao capitalismo neoliberal que atualmente impera e destrói o mundo.

Com o desenvolvimento do currículo para esta escola, e sua publicação em março de 2022, tivemos condições de desenvolver uma Escola para Facilitadores como um processo complementar. Este segundo processo concentrou-se em enriquecer os conhecimentos e experiências dos participantes para facilitar processos de treinamento contextualizados em suas comunidades e regiões. O objetivo era, acima de tudo, quem tinha participado da escola 2021 para que, com a experiência adquirida em Educação Popular, pudesse assumir o compromisso de promover e facilitar os processos de formação em suas organizações, tomando como base o conteúdo de formação política da Escola Internacional para Organização Feminista “Berta Cáceres”. 

Com o objetivo de ampliar e fortalecer os conhecimentos das/es companheiras/es em Educação Popular feminista decolonial. organizamos e desenvolvemos em cinco idiomas, de abril a agosto de 2022, o processo de formação de facilitadoras/es. Se inscreveram 105 companheiras/es provenientes de 38 países das Américas, África, Europa, Oriente Médio e Ásia. No entanto, por falta de tempo, mudanças de trabalho, sobrecarga de tarefas ou doenças, entre outras razões, 61 companheiras, ou 58% das inscritas, finalizaram o processo inteiro. 

Como já sabemos, o uso da metodologia da Educação Popular nos processos formativos implica enriquecer os conhecimentos e experiências que todas/es temos para nos preparar a viver novas experiências. Por sua vez, mediante um processo de sistematização e síntese dessas experiências, se amplia o conhecimento que já temos e o conteúdo da própria escola. Esperamos que esta ideia política nos permita gerar processos contextualizados para seguir enriquecendo a experiência de todas/es e que esta experiência seja mais uma contribuição as nossas lutas.

Estamos certas/es de que conseguiremos multiplicar este processo iniciado com a escola de 2021 em diferentes territórios do planeta e em diferentes comunidades em luta, já que somos todas/es participantes de organizações e/ou comunidades que estão trabalhando para enfrentar os problemas que enfrentamos e estão na luta para superá-los. De fato, durante o curso da escola, algumas das/es participantes fizeram propostas para acompanhar este processo, facilitando replicações do conteúdo da escola em suas regiões ou comunidades. A continuação destas práticas também acompanhará as conexões desenvolvidas entre os participantes durante a escola ou dentro das alianças que já possuem em nível local, o que contribuirá para fortalecer o movimento feminista popular do local para o global.

Neste livro você encontrará uma compilação de materiais sobre Educação Popular feminista e descolonial, incluindo uma reflexão sobre mediação pedagógica, assim como guias metodológicos e oficinas. Esta compilação é uma contribuição para todos aqueles que utilizam a Educação Popular como uma ferramenta para processos formativos em aldeias e comunidades. Além disso, você encontrará as diferentes sínteses elaboradas durante o desenvolvimento da escola que dão conta das reflexões e conhecimentos coletivos construídos por todos nós. Finalmente, também compartilhamos algumas ideias práticas sobre como desenvolver as oficinas de treinamento político da Escola “Berta Cáceres”, que é o objetivo destas escolas. Esperamos que estas contribuições guiem o trabalho daquelas/es de nós que estão neste caminho de luta e transformação em direção a uma vida digna em outro mundo possível. 

Sandra Morán

Mediação pedagógica em uma oficina

Gina Alfonso

Gostaria de compartilhar com vocês a experiência do que constitui, em um processo de formação, atender a mediação pedagógica. A primeira coisa é entender que todo o processo de formação, por si só, é um processo pedagógico, ou seja, é um processo educativo de aprender e desaprender, tanto para quem participa como estudantes, quanto para quem vai facilitá-lo como coordenadoras, professoras ou docentes desse processo.

A pedagogia é um processo criativo onde, nesse processo, todas as pessoas que participam de uma forma ou de outra e de diferentes responsabilidades são transformadas. Por esse motivo, em um processo de mediação pedagógica, um dos principais elementos que devem ser abordados é qual será a responsabilidade, qual será a tarefa, como será organizado o processo criativo e como o conhecimento será assimilado das experiências de vida das pessoas que participam deste processo de formação. Portanto, os primeiros critérios pedagógicos que devem ser contemplados em um processo de formação educacional são as experiências de vida, os conhecimentos acumulados e a capacidade crítica avaliativa de quem participa desse processo.

No caso dos processos, em que temos experiências que se baseiam na metodologia da educação popular, há sempre a necessidade de atender ao seu elemento dialógico, o debate, a troca de opiniões que nos permitem construir, em um processo de formação, um saber coletivo, um diálogo coletivo; manter elementos de participação, onde cada um vai, a partir de sua experiência, [somando] os aspectos que contribuem [para] o eixo daquele processo de formação, daquele processo pedagógico, [e] as pessoas sentem que estão construindo. Todo processo de formação, todo processo pedagógico é um processo criativo, é um processo onde as avaliações das pessoas que participam de suas experiências de vida estão expostas o tempo todo. Um novo conhecimento é construído, não imposto. [A] capacidade pedagógica de quem conduz o processo reside precisamente em saber para onde puxar os diferentes fios que se vão colocando no processo de construção da formação rumo ao objetivo que se quer atingir e, depois, ir fazendo um objetivo, uma construção coletiva comum, para que o objetivo que se estabelece no processo de formação seja assimilado por todas as pessoas que participam.

Quando em um processo de formação se passa por cima ou não atende ou não leva em conta as experiências de vida e os saberes acumulados, perde-se simplesmente a oportunidade de que aquele processo pedagógico, aquele processo educacional ou formativo, como queremos chamar, seja conscientemente assimilado por aqueles que participam. O essencial em um processo de formação é facilitar a assimilação consciente do que se debate, de que se constrói, dos novos conhecimentos. Nos processos de formação tem que se enfrentar uma lógica de dominação onde se encontra um conhecimento a impor um conhecimento, onde há uma voz de saber que é única e que a partir dessa voz se [diz] como deve construir-se ou como deve ser feito o processo. Por isso é importante nesta mediação pedagógica que as linhas de trabalho sejam definidas coletivamente, quais os orçamentos pedagógicos vão ser assumidos e assimilados por quem participa desta processo de formação. Então, [como] um pouco [de] síntese do que estamos dizendo [é que], como [um] elemento de mediação pedagógica, é importante atender a capacidade crítica de quem participa.

A possibilidade de dialogar a partir dessa capacidade crítica com as experiências vividas por quem participa… o sentido dialógico tem que ser um que crie um novo conhecimento, para pôr todos os saberes em comum ao mesmo tempo que se vai alcançando, nesse processo de formação, um objetivo que nos permite avançar para processos de transformação mais emancipatórios, mais libertadores e que possamos enfrentar coletivamente o pensamento único.

Introdução por Sandra Morán

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