#JujuyResiste: abaixo a reforma, por direitos e pela Whipala

26/06/2023 |

Alicia Raquel Coca

Leia o relato da ativista Alicia Coca sobre as intensas jornadas de mobilização popular nessa província da Argentina

Jujuy é a província que está mais ao norte da Argentina, na fronteira com o Chile e a Bolívia. Atualmente, é governada pela coalizão de partidos de centro e direita Juntos por el Cambio (Juntos pela Mudança, em português), em aliança com um dos partidos centenários da Argentina, a União Cívica Radical. Em Jujuy, as pessoas passam fome e os salários são miseráveis. Por isso, a greve das professoras e professores teve tanta adesão desta vez, envolvendo escolas da educação básica, do ensino médio e superior, os sindicatos, a Associação de Educadores da Província (ADEP) e o Centro de Docentes do Ensino Médio e Superior (CEDEMS).

Durante o primeiro dia da greve, 05 de junho, foi decidido em assembleia que a mobilização continuaria por tempo indeterminado. A maioria das participantes são professoras. No terceiro dia, a Associação de Trabalhadores do Estado (ATE) aderiu à greve. As trabalhadoras e trabalhadores da saúde nos hospitais convocaram uma greve de 72 horas para exigir um aumento salarial.

Desde o início do conflito, não houve um único dia em que as trabalhadoras e os trabalhadores abandonaram as ruas e a assembleia permanente que foi se espalhando pelo resto da província.

O apoio social foi crescendo durante quase dez dias, dia após dia. As professoras e professores que foram massivamente às ruas foram a vanguarda de um povo cansado de ver os seus direitos sendo violados.

SISA

Histórico da repressão

Dez dias após Gerardo Morales assumir o cargo de governador, em dezembro de 2016, ele determinou a prisão de Milagro Sala, liderança do Túpac Amaru, a maior organização territorial da província de Jujuy. Morales mantém sua perseguição contra esse setor e não perde uma oportunidade de se manifestar a favor da exploração dos recursos naturais, da entrega dos recursos a setores estrangeiros e contra as manifestações sociais. Esses posicionamentos são parte de sua campanha, já que aspira participar das eleições presidenciais de outubro de 2023. Durante os últimos oito anos, foram poucos os protestos e as mobilizações, com conflitos sindicais isolados envolvendo trabalhadoras e trabalhadores da educação, da mineração e do funcionalismo público dos municípios, entre outros.

Depois da pandemia, cresceram os conflitos entre o Estado e os trabalhadores e comunidades. A repressão em resposta às lutas territoriais também começou a aumentar. O autoritarismo de Morales se fez presente até no último 8 de março, contra as companheiras que se manifestavam na praça central da capital da província, San Salvador de Jujuy, com o mote “A dívida é com as mulheres”.

SISA

Contra uma reforma antidemocrática

Junto com a reivindicação de salários, passou a estar na pauta da mobilização o repúdio à reforma constitucional de Jujuy, debatida a portas fechadas pelos membros da comissão constituinte local. Os dois maiores partidos políticos – Juntos por el Cambio/UCR e Partido Justicialista –, por terem maioria, nem fizeram questão de apresentar o texto da proposta aos oradores convidados.

Em meados de junho, os constituintes de esquerda e os representantes do kirchnerismo renunciaram à comissão, mas o restante do Partido Justicialista continuou endossando essa reforma ilegítima. Na quinta-feira (15) à noite, eles aprovaram a reforma de costas para o povo, enquanto em San Salvador e em todas as cidades da província realizavam gigantescas marchas à luz de tochas, que são uma marca dos protestos argentinos.

O repúdio à reforma mobilizou setores das classes populares e da classe média. Os professores da província, que já estavam em greve por tempo indeterminado, travando uma difícil negociação salarial, foram os primeiros a prosseguir com o confronto. Eles estão nas ruas há mais tempo. No entanto, à medida que o conteúdo da reforma constitucional foi sendo revelado, outros sindicatos e organizações se juntaram a eles.

Em termos gerais, a reforma concentra o poder no Executivo, afeta os direitos das comunidades indígenas e os direitos coletivos, como o direito ao protesto. Tanto em Jujuy como em Salta, províncias que aprovaram leis proibindo o direito de manifestação, o conflito está aumentando com a a ampliação das atividades extrativistas, o que pode explicar a falta de debate público e a pressa em aprovar a reforma.

SISA

Quem está lutando atualmente em Jujuy

Na quarta-feira (14), comunidades indígenas decidiram se deslocar a pé da cidade de Abra Pampa, na região montanhosa de Puna, até San Salvador, a 210 quilômetros de distância. Sob temperaturas baixíssimas, elas saíram em marcha, parando para dormir nos municípios de Tilcara e Yala. Chegaram na manhã de sexta-feira, onde foram recebidos por centenas de professores nas margens das estradas e na cidade de San Salvador.

Na sexta-feira (16), um comitê intersindical realizou uma paralisação geral, com alta adesão. A população decidiu se concentrar em massa na capital de Jujuy, formando uma marcha que ocupou mais de 15 quarteirões, com canções, expressões culturais e artísticas, letras populares e muitos instrumentos levados por professoras e professores de música.

Já na última terça-feira (20), foi realizada uma manifestação envolvendo diversos setores enquanto o governador apresentava a Constituição reformada em um teatro na região central da capital. E as ações continuaram, com uma paralisação nacional dos professores convocada pela Confederação dos Trabalhadores da Educação da República Argentina (CTERA), uma paralisação nacional dos trabalhadores públicos convocada pela ATE e uma jornada nacional de luta das centrais de trabalhadores, com uma mobilização até a Casa Provincial de Jujuy, órgão oficial da província localizado na capital do país, Buenos Aires.

A Central de Trabalhadores da Argentina – Autônoma (CTA Autônoma) fez um alerta sobre a gravidade das “tentativas de usar as instituições democráticas para restringir a democracia. Não queremos isso nem em Jujuy nem em nenhum outro lugar”.

Os bloqueios de estradas têm sido realizados principalmente por comunidades de povos indígenas. As mulheres são as principais porta-vozes das reivindicações. De um dia para o outro, em meio ao avanço da extração de lítio, as comunidades se depararam com um artigo da proposta de reforma da constituição local que prevê o despejo imediato daqueles que não têm título de propriedade.

Entre as pessoas que se manifestam também estão professoras e professores rurais, que há anos vêm exigindo a titulação de terras e lutando contra a mineração de lítio e em defesa da água. À frente dessas gigantescas mobilizações estão as mulheres dos povoados, com suas filhas e filhos. Toda a população de Jujuy sabe que o lítio é uma fonte de enorme riqueza, mas que quase nada dessa riqueza chega até ela. Os megaprojetos econômicos pertencem a grandes transnacionais que atentam contra a natureza e a biodiversidade das montanhas. Agora, além da revogação da reforma constitucional, a mobilização exige a renúncia de Gerardo Morales.

A repressão é brutal. A polícia tem atirado balas de borracha no rosto dos manifestantes, uma prática lamentável com a qual, até agora, a Argentina não tinha precisado se preocupar.

Além disso, prenderam ilegalmente mais de 50 manifestantes, estudantes, líderes sindicais, parlamentares, advogados, jornalistas e outros professores ficaram feridos, foram espancados ou transferidos sem que suas famílias recebessem alguma informação.

A luta continua

A greve continua por tempo indeterminado, reivindicando melhorias salariais, com grande apoio das cidadãs e cidadãos que apoiam a luta dos professores. Diante da repressão, do avanço na reforma da constituição, da violação da consulta prévia e da proibição do protesto, a Assembleia Nacional dos Povos de Puna decidiu bloquear todas as rotas nacionais que dão acesso ao Chile e à Boívia também por tempo indeterminado. A medida só será suspensa com o restabelecimento da constituição original da província e a renúncia do governador.

As organizações nacionais de direitos humanos também exigem a suspensão urgente da reforma. A CTA Autônoma, a Intersindical Feminista e outras organizações do campo popular assinaram um documento que afirma que “não há democracia se o protesto social é perseguido e estigmatizado, já que é por meio dele que historicamente os povos organizados conquistaram suas lutas e direitos”. Protestar não é crime! #JujuyResiste

Alicia Raquel Coca é integrante da Marcha Mundial das Mulheres na Argentina e da Central de Trabalhadores da Argentina – Autônoma (CTA Autônoma).

Edição e revisão da tradução por Helena Zelic
Traduzido do espanhol por Luiza Mançano

Artigos Relacionados