“Direitos camponeses são direitos humanos”: Comunicação por direitos pela soberania alimentar

28/02/2024 |

Texto por Bianca Pessoa com apoio da equipe da Defendendo os Direitos Camponeses

A Declaração dos Direitos Camponeses é uma ferramenta para expandir o alcance das lutas camponesas

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A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Camponesas e dos Camponeses (UNDROP na sigla em inglês) foi adotada em 2018. A Via Campesina (LVC) liderou o movimento que levou a essa conquista, ao lado de aliados importantes que foram fundamentais para que se chegasse no estágio de adoção do texto. Outros movimentos sociais, como a Marcha Mundial das Mulheres, a Amigos da Terra Internacional e diversas organizações populares, instituições acadêmicas e aliados foram essenciais no apoio à LVC para conquistar a adoção dessa estrutura de direitos e auxiliar na sua fase de implementação.

As pessoas que passaram anos trabalhando pela adoção da Declaração sempre souberam que a implementação também seria uma batalha árdua. Sabiam que, para que a luta se mantivesse forte, uma ferramenta comum foi necessária para compartilhar conhecimento sobre a Declaração e avançar na compreensão coletiva de como levar sua implementação adiante. A Defendendo os Direitos Camponeses (DDC), lançada em 2022, é produto de inúmeros desses aliados que se uniram para construir uma rede de compartilhamento de conhecimentos. Durante a 8a Conferência Internacional da Via Campesina, em 2023, as equipes do Capire e da DDC trabalharam em conjunto para a produção de um vídeo e, que mulheres de todo o mundo falam sobre a atuação das mulheres na luta pelos direitos camponeses e a importância da Declaração. Assista abaixo:

Ferramentas de comunicação camponesa

A DDC foi pensada como uma ferramenta de informação, primeiro para as pessoas cujos direitos estão contemplados na Declaração e para aliados que já trabalham com o tema e, em segundo lugar, para uma audiência ampla, pois os direitos camponeses devem ser uma preocupação de todas as pessoas. “Não queremos que as pessoas simplesmente leiam uma coisa inspiradora, mas que conversem entre si. Nosso objetivo é oferecer ferramentas em que camponesas e camponeses possam encontrar o que precisam para lutar por seus direitos”, explica Coline Hubert, da coordenação da DDC.

O artigo mais lido do site trata de como a Suprema Corte de Honduras utilizou o artigo da Declaração sobre direito às sementes para declarar a inconstitucionalidade da chamada “Lei Monsanto”. O site oferece materiais diversos, incluindo artigos, livros virtuais e entrevistas, sobre a Declaração e suas aplicações pelo mundo. Coline afirma que todo o conteúdo se complementa: “Cada material traz um ponto de vista e interesse diferente. Os direitos camponeses são uma fonte sem fim de inspiração. Estamos tentando oferecer uma forma diferente de abordá-los, a partir da questão política, jurídica ou conectada com outro tema.”

Há um conselho editorial que faz a curadoria do site, com pessoas de instituições acadêmicas, ONGs e integrantes das 10 regiões globais que conformam a Via Campesina. Com essa equipe, a DDC tenta garantir a publicação de conteúdo que representa cada uma das regiões. “O objetivo disso é ser uma plataforma acessível e participativa que sintetiza todo o amplo conhecimento que está sendo criado e compartilhado sobre a Declaração ao redor do mundo. Não é apenas um lugar onde se encontram artigos acadêmicos ou publicações jurídicas, mas também um lugar onde você pode encontrar materiais sobre educação popular em diversos idiomas”, explica Jessie MacInnis, da União Nacional de Agricultoras e Agricultores do Canadá e integrante do conselho editorial.

Essas plataformas não são apenas uma compilação de artigos. Ao atuar dessa forma, elas ajudam a compartilhar estratégias entre organizações para a efetiva implementação dos direitos consagrados na Declaração em diferentes níveis. Sobre o alcance internacional, Jessie explica que, “ao ter acesso a diferentes materiais de todo o mundo, é possível ver como as organizações estão fazendo incidência junto a instituições, como estão se organizando em suas comunidades e que tipos de materiais de educação popular estão utilizando”.

Dando vida à Declaração

A UNDROP não é apenas um instrumento internacional. É, na verdade, uma ferramenta muito localizada para as lutas nos territórios, e faz parte de um conjunto de estratégias de articulação e comunicação do movimento camponês internacional. Em um mundo complexo de instrumentos internacionais de governança global que pode parecer um tanto obscuro e opaco, o site mostra as muitas escalas em que a Declaração está sendo implementada.

Existem muitos exemplos de usos da UNDROP, como a jurisprudência estabelecida no Canadá, no Quênia e em Honduras. Em todos esses exemplos, a Declaração foi utilizada por advogados e juízes para proteger os direitos camponeses. No Equador, a Coordenação Nacional Camponesa Eloy Alfaro [CNC Eloy Alfaro, em espanhol], integrante da CLOC-Via Campesina, conquistou a ratificação da Declaração pela Assembleia Legislativa e a Corte Constitucional. Coline também menciona a atuação da união camponesa Serikat Petani Indonesia (SPI): “No país onde as lutas pelos direitos camponeses nasceram, as pessoas estão estabelecendo áreas de soberania alimentar, diretamente concretizando o direito à soberania alimentar reconhecido na UNDROP”.

No nível internacional, estabeleceu-se recentemente um grupo de trabalho dedicado no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Esse mecanismo vai monitorar a implementação da Declaração e poderá publicar relatórios temáticos, fazer visitas aos países e receber denúncias. Para Coline, “mesmo que a ONU pareça muito distante para camponesas e camponeses, pode ser utilizada para iniciar um diálogo com os Estados”.

Ao compartilhar histórias pessoais, uma ferramenta como a DDC permite entender melhor como, de forma regional e contextual, a declaração pode ser implementada. Coline argumenta que, “hoje e no futuro, difundir informações sobre a UNDROP e sobre os direitos camponeses é essencial. Quanto mais conhecimento, compreensão e confiança as pessoas tiverem neles, mais chance teremos de promover uma transformação significativa. Os direitos camponeses são direitos humanos, e é preciso que se saiba disso. Tem um horizonte tanto legal quanto político pelo qual devemos todos e todas lutar”.

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Idioma original: inglês

Traduzido do inglês por Aline Scátola

Edição por Helena Zelic

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