Desde setembro de 2025, no Equador, aderimos à paralização nacional por diferentes motivos: a falta de medicamentos nos hospitais, a falta de investimento em educação e o desemprego, assim como a eliminação do subsídio para o transporte. Isso afeta especialmente o deslocamento de produtos de comunidades distantes e agricultoras, assim como as passagens de ônibus para a juventude.
Realizamos assembleias nas organizações e nos cabildos, formas de governos comunitários. Estivemos 33 dias no paro nacional, mas, para nós, ainda não terminou: ainda temos feridos graves e pessoas processadas por terem participado do paro, “qualificadas como terroristas” pelo Estado. Vivemos muita repressão. Atiravam no corpo de nossos companheiros e companheiras. Os que não estavam diretamente nas ruas ajudavam coletando álcool e outros insumos para reduzir o efeito do gás lacrimogêneo.
Uma represión brutal
As pessoas gritavam por socorro, pediam ambulâncias ou carros para levar os feridos. Quando cheguei e estava distribuindo a bebida, veio o “trucutú” para nos atropelar e disparar bombas de pimenta. Tivemos que nos deslocar e correr pelo milharal. Nos jogávamos no chão para que não nos alcançassem, e ainda assim era fortíssimo. Gritaram que um companheiro havia sido baleado, em estado muito grave. O local estava escuro, porque a fumaça era demais. Não se via quase nada, e eram seis da manhã. Nesse momento, os militares conseguiram passar com o que chamavam de “comboio humanitário”, que na verdade era um conjunto de policiais, militares, bombas, dinamite. Mataram o companheiro Efraín Fuérez. As pessoas estavam revoltadas. Eu só havia visto algo assim em filmes, mas a realidade era pior. Até agora estamos psicologicamente afetados. É uma guerra psicológica.
Retiramos toda a comunidade, trouxemos todos para a comunidade e fechamos o caminho. Nos trancamos e bloqueamos as vias para que os militares não chegassem. Depois, quando chegamos ao hospital, os familiares de Efraín choravam, e havia muitos feridos que não eram atendidos. Foi triste. Naquele dia não comemos, não fizemos nada. A partir daí, formou-se um Parlamento dos Povos entre organizações das regiões de Otavalo e Cotacachi. Fomos numa delegação de dirigentes a uma comunidade. O presidente da comunidade dizia: “apressem-se e terminem logo as reuniões, eles já estão chegando”. Às dez da noite a luz e a internet caíram. Tiraram tudo de nós. As pessoas saíam com as crianças, os cachorros, as cobertas. Iam dormir no morro e nas quebradas, porque ninguém podia ficar. Os dados mais recentes somam três pessoas mortas, 16 desaparecidas, mais de 470 feridas e mais de 200 detidas.
A repressão evidencia o racismo. Cortaram o cabelo de nossos companheiros. Tentaram criar conflitos entre companheiros urbanos e rurais, dizendo que somos vagabundos, terroristas e vândalos. Temos sido tratados assim. Proibiram a entrada de feridos no hospital. A presença de pessoas solidárias, que nos trouxeram medicamentos e alimentos, tem sido fundamental. A repressão também buscou dividir as comunidades. Ainda assim, a articulação está acontecendo com organizações de diferentes lugares que também aderiram à paralisação. Temos 170 companheiros feridos nas comunidades de Cotacachi. A solidariedade continua, com kits, brigadas médicas e atendimento para retirar os chumbinhos. Um companheiro que acabou de chegar tem ferimentos no olho, no braço e nas costas. Outro tem 48 chumbinhos nas costas. Outro teve uma perna amputada devido ao disparo. Para nós, o paro não acabou.
Continuamos em resistência. O papel das mulheres tem sido muito importante: comunicadoras, enfermeiras, atentas às famílias. Contudo, muitas vezes fomos invisibilizadas e não estávamos preparadas para a continuidade do massacre. Na comunidade de Cotacachi, chegavam os feridos. Com os tabuleiros usados na feira das mulheres, montávamos camas enfileiradas. Buscávamos voluntárias das comunidades e do centro urbano. Tratávamos, dávamos alta, e logo outros chegavam em estado mais grave.
Em defesa das garantias constitucionais
No dia 16 de novembro haverá uma consulta nacional sobre uma série de mudanças constitucionais. As perguntas tratam de: permitir bases militares estrangeiras, eliminar o financiamento público a organizações políticas, alterar a eleição e o número de parlamentares e convocar uma assembleia constituinte. Dissemos que todos devem votar “não”, para que não tirem os direitos que já conquistamos. Essa é nossa preocupação central e, por isso, seguimos na resistência.
Como diz a nota da Via Campesina publicada em 30 de setembro de 2025, a convocatória do governo de Daniel Noboa busca “consolidar um regime autoritário e perpetuar um modelo que atropela os direitos legítimos dos povos”. É necessário defender o que foi firmado na Constituição de 2008, vigente até hoje, que “não só reconhece os direitos coletivos dos povos e nacionalidades indígenas, como também concede o direito de tomar decisões sobre seus territórios para evitar os impactos das indústrias extrativistas e conservar sua cultura”.
A luta continua, não apenas pela agenda inicial da mobilização, mas também por justiça para todas as pessoas feridas e por Efraín Fuérez, pelos três mortos, e por mudanças nas estruturas de repressão. Lutaremos pela suspensão da judicialização de companheiros classificados como terroristas. Às organizações populares internacionais, especialmente latino-americanas, chamamos a divulgar como esse governo nos maltratou.
Seguiremos articulando as perspectivas das organizações rumo à eleição da nova direção nacional da Confederação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras (Fenocin). Esperamos que entre na direção alguém que lute e não nos deixe sozinhos. Estamos certos de que, em fevereiro ou março de 2026, haverá outra mobilização forte, porque terminarão os bônus entregues pelo governo aos transportistas e às comunidades. Haverá ainda mais pessoas, mais sindicatos, mais organizações se levantando. Vamos seguir na luta até o fim. Não vão nos fazer sentir medo.

Luz María Andrade é presidenta do Comitê Central de Mulheres da União de Organizações Camponesas e Indígenas de Cotacachi (Unorcac), filiada à Confederação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras (Fenocin), no Equador, que integra a CLOC-LVC. O Comitê Central de Mulheres da Unorcac atua desde 1996 e conta com 31 grupos de mulheres em 48 comunidades.
