Elena Lora é uma mulher negra dominicana de ascendência haitiana. Assistente social, ela é cofundadora do movimento Reconhecido [Reconocido], uma organização independente de direitos civis de base formada principalmente por jovens. “O trabalho do Reconhecido é reivindicar e lutar pelos direitos das pessoas afrodescendentes nascidas em território dominicano, cujos direitos civis e políticos fundamentais foram violados. Trabalhamos na questão do autorreconhecimento contra a violação dos direitos das pessoas que nasceram aqui na República Dominicana”, explica Elena.
O Reconhecido surgiu inicialmente como uma campanha para denunciar violações de direitos, e é considerado uma continuação do trabalho ativista da líder Sonia Pierre, que morreu em 2011, mesmo ano da criação da organização: “Surgimos para continuar a luta que ela liderou durante sua vida.”
O Reconhecido está presente em quase todo o território nacional, especialmente nas áreas de engenhos, ou seja, locais construídos em torno da produção de cana-de-açúcar, “já que a maioria de nós nessa situação somos filhas e filhos de mães e pais haitianos, e historicamente a República Dominicana manteve uma força bilateral entre os Estados, que tinha contratos para trazer trabalhadores braçais haitianos a partir do final do século XIX. Até 1997, ainda se mantinha a prática de haitianos virem trabalhar como braçais.”, diz Elena, e continua: “como consequência dessa migração, nascemos nós, os filhos desses migrantes”.
O que o turismo vende é o desenvolvimento da República Dominicana. No entanto, no fundo, no seu interior, existe toda uma política de discriminação baseada em origens raciais, cor da pele e sobrenomes.

Como é a participação das mulheres dentro da organização?
O movimento Reconhecido é misto, mas as lideranças são principalmente mulheres. Somos uma representação na coordenação nacional, cuja diretoria é composta por três mulheres. As coordenações regionais também são compostas por mulheres. Em outras palavras, as mulheres têm uma voz ativa de liderança nas comunidades onde atuamos. Entendemos que isso é importante, visto que as questões em torno da política de desnacionalização estão intimamente relacionadas às questões de gênero.
Se uma mulher migrante haitiana ou descendente que ainda não possui documentação tiver um filho com um homem dominicano, mesmo que este tenha documentação, a criança não poderá ser declarada, pois é a mulher quem deve ter a documentação. Nesse sentido, a situação se torna ainda mais grave quando são as mulheres quem vivem essa realidade de desnacionalização, que, como uma cadeia, afeta seus filhos e filhas.
Atualmente, existem mais de 200 mil pessoas consideradas apátridas, mas não há estatísticas fragmentadas sobre quantos são homens e mulheres. Um estudo comparativo da pesquisa nacional de imigrantes do país indica que há 277 mil pessoas descendentes de migrantes haitianos no país, mas também não há dados fragmentados sobre mulheres e homens.
Considerando as políticas migratórias atuais de deportação e insegurança, como você entende as ações das forças conservadoras? Há alguma campanha anti-imigração em curso?
No movimento, somos pessoas que nasceram na República Dominicana e, em sua maioria, nunca estiveram no Haiti. Nem sequer falamos o crioulo. Nesse sentido, nossa luta é pela nacionalidade e pelo reconhecimento do direito de nascer para pessoas de ascendência haitiana. Somos uma consequência da migração haitiana para a República Dominicana. Também não estamos isentos de todas as políticas migratórias que o país está implementando atualmente.
Existem grupos que se autodenominam “sociedade civil”, mas, no fim das contas, são alimentados pelas mesmas forças da elite conservadora do país. Anteriormente, havia um setor político chamado Força Nacional Progressista, que sempre manteve um discurso sobre a questão da migração. Atualmente, grupos como a Antiga Ordem Dominicana se levantaram contra a migração. Nos últimos quatro anos, o atual presidente Luis Abinader tem abraçado cada vez mais a questão como uma agenda de Estado e, a partir do poder executivo, implementado medidas que reforçam a violência aos direitos das pessoas, especialmente os das mulheres.
Como uma organização que defende os direitos humanos, denunciamos todas essas discriminações e políticas racistas estruturais que vêm ocorrendo, as quais também colocam em risco nossas vidas como jovens que nascemos no país. Para as mulheres, no que diz respeito à saúde e à saúde sexual reprodutiva, há toda a questão da violência obstétrica, que se normaliza. Nos centros médicos, prendem mulheres negras e descendentes e as levam pouco tempo depois de terem feito cesarianas. Violam a sua dignidade. A crise migratória é global, mas na República Dominicana estamos vivendo situações muito marcantes com a população migrante haitiana. A realidade que o Haiti atravessa é uma crise histórica, estrutural e humanitária.
Como você vê as atuais expressões de racismo na República Dominicana?
Elas se expressam nos meios de comunicação, nos textos das escolas, nas leis do país. A própria decisão 168.13 — que desnacionaliza mais de 200 mil pessoas — se baseia em racismo institucional. Essa discriminação institucional e estrutural é vivenciada desde o massacre de 1937, quando o ditador Rafael Leónidas Trujillo iniciou o anti-haitianismo.
Além disso, as linguagens dos meios de comunicação e dos grupos paramilitares que se levantaram contra os migrantes haitianos e seus descendentes nos dizem que a questão do racismo é mais estrutural e ganhou força. Não vem apenas do Estado, mas também das instituições, da comunicação e das comunidades. Elas os veem como um fardo, uma praga e invasores. O racismo se agravou, aumentando o discurso de ódio.
Atualmente, a política migratória implementada pelo presidente Luis Abinader também representa um risco para as pessoas dominicanas de ascendência haitiana, pois se baseia no perfil racial das pessoas. Uma mulher negra sem documentação é deportada, detida ou expulsa para um país que não conhece por agentes de migração ou pelas forças atualmente autorizadas a fazê-lo.
Um exemplo recente: em junho, uma dominicana nascida aqui no país foi expulsa. Agentes de migração invadiram sua casa em busca de migrantes e a levaram junto com suas três crianças. Ela foi submetida a essa situação de desnacionalização. Eles a enviaram para o Haiti, mas ela não tem família lá. Seus três filhos estavam doentes. Mesmo assim, o Estado não se pronunciou por semanas. Ela não é haitiana, mas o Estado afirma que é. Quando chega ao Haiti, não tem para onde ir porque não tem família, nem raízes, nem nada. Isso está relacionado com a política migratória e com o racismo. Tudo isso se baseia na discriminação racial. Por que a levaram? Porque ela é negra.
Como você acha que deveria ser uma política para o direito de existir e viver com dignidade no país onde se nasceu ou se foi morar? Qual é o papel dos movimentos populares nessa construção?
Entendo que uma solução para isso é lembrar que a República Dominicana é constituída como um Estado social, democrático e de direitos. No entanto, ela mesma viola sua própria Constituição. Uma maneira de resolver tudo isso é reconhecê-la como tal e garantir a dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua origem, raça ou gênero.
Os Estados devem adotar uma política mais inclusiva em relação à questão da nacionalidade. O Estado deve restituir plenamente a nacionalidade a todas as pessoas dominicanas. Com isso, teremos a garantia de poder seguir em frente, desfrutar dos direitos civis e políticos e constituir essa cidadania que nos pertence. Para a população migrante haitiana, o Estado deve garantir e reconhecer que ser migrante não é crime e que essa população, com a qual tem uma dívida histórica, contribui significativamente para a economia da República Dominicana.
Em vez de gastar tanto dinheiro na militarização das áreas fronteiriças, em processos que muitas vezes aumentam o tráfico de pessoas e atropelam os direitos das pessoas migrantes, é melhor criar acordos bilaterais, desenvolver essas áreas e permitir que as pessoas migrantes que estão nessas áreas vizinhas tenham a oportunidade de trabalhar.
Deve haver uma regulamentação integral que leve em consideração os trabalhadores, os filhos desses trabalhadores e as pessoas que historicamente estão no país. Os chamados “velhinhos trabalhadores da cana”, por exemplo, vieram, dedicaram suas vidas, trabalharam, pagaram tributos e, hoje, o Estado não pôde lhes proporcionar uma pensão que lhes garanta uma velhice digna. Muitos morrem na pobreza e na exclusão. Seus filhos também não gozam de direitos e vivem em situação de desnacionalização e apatridia. A apatridia que se vive aqui na República Dominicana é a maior do hemisfério ocidental.
Devemos pressionar e lutar para que nossas vozes sejam ouvidas. Precisamos que não nos silenciem, que nos permitam continuar construindo a partir da nossa experiência e do nosso trabalho com a população vulnerabilizada. As pessoas haitianas são pessoas e, como tal, não devem ser vistas como pragas. São pessoas que contribuemirão. A população dominicana de origem haitiana está sendo vítima de discriminação. São pessoas que estão civilmente mortas, e isso deve ser de conhecimento público para que as pessoas saibam.