Clarissa Mendoza: “As mulheres nas Filipinas estão em permanente luta por suas terras”

27/04/2023 |

Capire

A militante do Movimento pela Reforma Agrária e Justiça Social fala sobre políticas relacionadas à terra e sobre a resistência das mulheres contra o autoritarismo

Clarissa Mendoza é coordenadora da Secretaria Nacional do Movimento pela Reforma Agrária e Justiça Social [Kilusan para sa Repormang Agraryo at Katarungang Panlipunan – Katarungan], movimento filipino de massa dos beneficiários da reforma agrária, povos indígenas, colonos das terras altas, camponeses e camponesas e outras pessoas que trabalham na zona rural. Ela fala ao Capire sobre o contexto político de autoritarismo nas Filipinas e sobre a resistência das mulheres camponesas no país.

Em 2022, com as eleições presidenciais, Ferdinand Marcos Jr. (conhecido como Bongbong Marcos) tornou-se o novo presidente do país. Bongbong Marcos é filho do antigo ditador deposto em 1986 pela Revolução do Poder Popular. De acordo com Clarissa, o novo governo vem tentando se promover afirmando priorizar agricultores locais, quando na verdade acontece o contrário. No primeiro trimestre de 2023, as Filipinas sofreram a maior inflação em 14 anos, que chegou a 8,7%. “As pessoas têm muita dificuldade para conseguir comida, para ter dinheiro para se sustentar, incluindo o setor menos privilegiado do nosso país, formado por camponeses e camponesas”, ela diz.

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Como tem sido a resistência das camponesas nesse contexto de autoritarismo?

As mulheres nas Filipinas continuam a resistir. As camponesas continuam assumindo papeis de liderança em suas respectivas organizações. Além disso, estão em movimento iniciativas de combate à legislação antiterrorista, que, ironicamente, aterroriza quem resiste, quem clama por direitos humanos e outras causas. Também têm acontecido muitas iniciativas contínuas em defesa do direito à terra, especificamente pela implementação da reforma agrária. Nas últimas décadas, um dos nossos maiores problemas tem sido o uso da terra. Não existe uma lei abrangente que regule o uso da terra nas Filipinas, e é por isso que muitas organizações têm reivindicado a aprovação de uma lei nesse sentido.

As mulheres nas Filipinas estão em permanente luta por suas terras, junto com seus maridos, com suas comunidades e também com seus filhos. Mulheres de todas as idades têm lutado incansavelmente por seus direitos.

Você poderia compartilhar com a gente como são as políticas sobre a terra nas Filipinas e o que o Katarungan está propondo?

Umas das disposições da nossa Constituição declara que a industrialização do nosso país deve se basear num desenvolvimento agrícola consistente e na reforma agrária. Isso significa que a agricultura e a reforma agrária são setores considerados linha de frente do nosso desenvolvimento econômico. Infelizmente, não é assim que acontece na prática.

Além da Constituição, há também diversas leis sobre reforma agrária. Uma dessas leis foi o Programa Abrangente da Reforma Agrária (CARP, sigla em inglês), aprovado em 1988, e a sua versão com aditamentos aprovada em 2009. Essas leis versam sobre aquisição e distribuição de terras, entre outros aspectos. Havia leis agrárias antes, mas elas tinham escopo limitado. Essas leis foram fundamentais para o movimento camponês nas Filipinas, já que sabemos que a terra tem importância crucial para nossa produção e, claro, para a autossuficiência alimentar.

Alguns artigos dessas leis foram realmente de grande ajuda para nossas camponesas e camponeses, mas ainda há outros que não foram devidamente implementados. Um deles é o Artigo 19 da lei CARP, que exige o uso de sistemas de encaminhamento, porque os processos movidos contra agricultores não devem ser julgados em tribunais comuns. Quando os processos são de natureza agrária, eles devem ser tratados separadamente. Nós, do Katarungan, achamos que esse artigo específico não foi implementado corretamente, já que houve muitos processos de criminalização de agricultores justamente por essas pessoas estarem lutando por suas terras. O governo das Filipinas precisa rever esse artigo, rever a implementação geral da reforma agrária, assim como a disposição sobre serviços de apoio.

Somente conceder a terra não basta. É preciso também dar aos agricultores e agricultoras a capacidade de cultivar e ser produtivos ao utilizarem a terra. Isso se relaciona ao uso de serviços de apoio e, claro, à necessidade de dar suporte aos nossos agricultores. Ao longo dos últimos anos, muitas corporações têm forjado acusações contra agricultores. Por isso, o governo precisa ser proativo ao fornecer assistência jurídica a essas pessoas.

Em muitos territórios, as mulheres também estão lutando para denunciar esse contexto de aliança entre o governo e corporações transnacionais e a exploração da terra e de recursos. Como essa luta acontece no Katarungan?

As camponesas estão na linha de frente da luta por suas terras contra as corporações. Nos casos de Quezon e Bataan, elas enfrentam ameaças, violações de direitos humanos, angústia e abusos contínuos por parte de corporações. No caso de Sumalo, Bataan, em que nove agricultores foram acusados, oito eram mulheres e quatro já eram idosas. Essas pessoas foram falsamente acusadas de estafa sindicalizada e agora têm um mandado de prisão contra elas, uma ameaça a todas as suas liberdades. Elas são inocentes, suas famílias foram afetadas, sua capacidade de lutar por suas terras foi realmente abalada.

Esse é um esforço das corporações para enfraquecer a resistência de nossas mulheres, a resistência de nossas líderes e das pessoas camponesas em geral. É tarefa do governo garantir que esse tipo de injustiça não aconteça. Nós, como movimento, precisamos expor esse tipo de injustiça em nosso país e, claro, precisamos ajudar outros movimentos e organizações em todas as partes do mundo a expor esse fenômeno global.

Você poderia comentar sobre as lutas feministas nas Filipinas e como as camponesas se envolvem nessas lutas?

Em termos de legislação nos últimos meses, tem havido esforços para discutir o combate à discriminação e problemas para definir o que é a violência eletrônica. Essa violência acontece no contexto da influência das mídias sociais em nossas vidas, assim como muitos casos de assédio contra crianças e mulheres, especialmente durante o período mais intenso da pandemia em zonas rurais. Além disso, organizações têm colaborado entre si para ajudar camponesas e camponeses criminalizados em geral. Nas Filipinas, ainda temos muitos problemas nos quais precisamos trabalhar, mas os esforços já em andamento também precisam ser sustentados e fortalecidos.

Para os movimentos e organizações nas Filipinas, é muito importante fortalecer a colaboração, trabalhar sobre a legislação e encontrar soluções urgentes para as camponesas e os camponeses criminalizados.

A criminalização de camponeses, especialmente de mulheres, tem afetado muitas famílias e ameaçado comunidades. Também chamo atenção da juventude para que respondam ao chamado. Precisamos agir nessas situações em que as vidas de pessoas que trabalham com a terra estão à mercê de corporações. Precisamos agir nessa situação de violência e injustiça. Nós, a juventude, temos energia; nós temos as habilidades necessárias. Não queremos esse tipo de mundo em que todos estão morrendo, sofrendo com a fome, em que todos são alvo de injustiça pelo simples motivo de não terem dinheiro como as corporações. Assim, minhas jovens companheiras, por favor, se levantem, aproveitem a oportunidade, assumam o desafio. Sei que, junto com outros setores da comunidade, podemos lutar contra as corporações, podemos lutar contra governos repressores.

Entrevista conduzida por Natália Blanco
Edição por Bianca Pessoa e Helena Zelic
Tradução do inglês por Rosana Felício dos Santos

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