Chayuda Boonrod: “barragens só são boas para os capitalistas”

05/04/2024 |

Capire

Leia sobre o contexto político atual na Tailândia e sobre a luta contra a construção de barragens

Chayuda Boonrod é membro da Assembleia dos Pobres (AoP, na sigla em inglês), uma organização popular tailandesa que luta por autodeterminação e direito a recursos com comunidades urbanas e rurais. A sua participação na luta vem desde a sua família, envolvida na luta por terra no país.

Chayuda compartilhou conosco aspectos do contexto político atual da Tailândia, e a luta da AoP contra os impactos das barragens no país. A Assembleia dos Pobres é ativa na luta contra barragens desde a sua formação, no dia 10 de setembro de 1995. “Eu nasci no dia 31, então sou 21 dias mais nova do que a organização. Crescendo, eu vi minha família, minhas tias e tios, todos que eu conheço, envolvidos de uma forma ou de outra na nossa organização e na Via Campesina”, disse Chayuda.

Essa entrevista foi conduzida durante a 8ª Conferência Internacional da Via Campesina (LVC), que aconteceu em dezembro de 2023, em Bogotá, na Colômbia. Junto com a Via Campesina, membros da AoP participam em atividades no país e no exterior. Sobre a relação entre as duas organizações, ela adiciona: “Temos muitas pessoas da LVC vindo visitar e estudar as comunidades”. Além disso, a AoP sediou a reunião da Juventude Asiática da LVC, que aconteceu em outubro de 2022, em Surat Thani, Tailândia. Leia a entrevista na íntegra abaixo:

Você poderia nos contar sobre o contexto político da Tailândia? Quais são as questões principais para a classe trabalhadora e os camponeses?

As eleições realizadas em 2023, que foram reforçadas pela Constituição, colocaram um novo primeiro-ministro no poder, mas ele não foi o que nós escolhemos. O partido que conseguiu mais votos nas eleições não conseguiu formar um governo porque foi obstruído pelos truques escondidos na Constituição atual, escrita pelo governo militar instaurado após o golpe de estado de 2014. Porque o partido político com mais votos não pôde estabelecer um governo, o segundo maior partido obteve sucesso em formar um governo de coalizão com apoio de partidos que faziam parte do governo militar anterior.

As pessoas sentiram que nada tinha mudado em termos de respostas para suas demandas ou a questão dos direitos humanos. Eles se importam em ganhar dinheiro, eles não se importam com as pessoas, especialmente com os pobres. Em outubro, a AoP organizou uma mobilização em massa que durou um mês para dar visibilidade a esses aspectos do governo atual e lutar pelos nossos direitos.

E quais são os principais problemas com as barragens na Tailândia atualmente? Como é a luta da AoP em relação à construção de barragens?

A luta contra a construção de barragens na AoP é grande. É uma batalha que lutamos em muitos lugares desde a criação da organização. Há, por exemplo, a luta dos povos contra a barragem de Sirinthorn, que é um dos primeiros casos da história da construção de barragens na Tailândia, por volta de 1970, antes da criação da AoP. Sobre a barragem de Sirinthorn, as consequências e o sofrimento das pessoas ficaram muito óbvios, mas o governo nunca nem tentou diminuir suas ambições de a manter.

Falando sobre o contexto atual, podemos dividi-lo em dois tipos. Um é a luta contra as barragens que já foram construídas. Outro é a luta contra o plano de construir novas barragens. Sobre o primeiro tipo de luta, existem cinco comunidades enfrentando barragens que já foram construídas. A compensação que o governo falou que seria dada não é apropriada. Para nossos irmãos e irmãs que são dessas comunidades, seu sofrimento vai continuar sem uma resposta do governo para resolver seus problemas.

O governo tem uma fórmula muito simples para calcular a compensação. Por exemplo, se em uma casa há cinco árvores, o governo pode calcular apenas o valor delas naquele momento. Eles não consideram quando as cinco árvores vão ter de valor para a família a longo prazo. Nosso povo sente que seria melhor se o governo trocasse terra com eles, encontrasse outra terra e a desse a eles para compensar pela terra que eles perderam. Mas o governo pode fazer algo fácil como calcular o preço da terra naquele momento, só dar dinheiro a eles e deixá-los para encontrar novas terras, irem comprar novas terras eles próprios.

Quando, por causa da construção de barragens, os camponeses perdem suas terras, eles perdem a sua identidade enquanto camponeses. Eles não têm mais terras para produzir. Para os camponeses, perder terra quer dizer que tudo acabou. Eles não têm nada, apenas seus corpos e seu trabalho.

Muitos deles precisam migrar para uma cidade grande. Nessas cidades grandes, as pessoas se tornam mão de obra barata, urbanos pobres, mulheres caem na prostituição. Muitos outros problemas acompanham, como separação de famílias ou vício em drogas. Isso é muito concreto, mas os problemas vão além com a perda dos meios de subsistência e da biodiversidade. No caso da barragem Rasi Salai, estudos descobriram que quase metade das espécies de peixe no rio desapareceram. Há muitos pesquisadores que estudam o impacto das barragens, mas os pesquisadores estão apenas vindo nas comunidades, falando com pessoas e produzindo artigos. Eles não estão ajudando ativamente. E, porque somos nós que estamos lutando contra essas questões por muitos anos, o público começou a nos ver como baderneiros.

O último caso, a barragem de Pong Khunpet, é um exemplo de como apesar de a construção da barragem estar concluída, as pessoas se recusam a se mudar porque o governo não deu novas terras a elas. A barragem não está funcionando completamente, mas eles abriram a comporta de água um pouco, o que está causando inundações na comunidade. As pessoas estão tendo que usar barcos para transporte. Essa água traz muitos problemas de saúde e doenças. Claro que a resposta do governo local é muito lenta. Nosso povo está protestando para pressionar por uma resposta mais rápida.

Muitas barragens que existem agora foram construídas durante as ditaduras. Durante os governos ditatoriais, nós não podíamos protestar. Isso significa que a questão das barragens está relacionada com a situação política também.

Muitas comunidades da AoP protestam contra projetos de construção de barragens porque eles aprenderam que elas não produzem nenhum bem para eles. Mas, na maioria dos casos, o que eles conseguem é apenas uma pausa no projeto. Não há realmente uma parada ou interrupção do plano. Nós nunca sabemos quando eles vão só deixar pra lá os acordos e continuar. É uma preocupação perpétua.

O governo tenta fazer propaganda do lado bom de construir barragens. Eles tentam convencer as pessoas que você pode apenas pegar o dinheiro e ir ficar em outro lugar, ir viver em outro lugar. Outro discurso que o governo usa para convencer as pessoas é sobre o sacrifício, dizendo que eles querem que as pessoas se sacrifiquem pelo bem maior. Mas, na verdade, há muitas maneiras de gerir recursos hídricos, para além da construção de barragens. Nós sabemos que as barragens só são boas para os capitalistas e para a indústria.

Como é a luta da AoP na construção de melhores condições de vida para os camponeses na Tailândia, e qual o papel das mulheres nessa luta?

Todos os projetos são iniciados pelo Estado, pelo governo, de mãos dadas com os capitalistas. Eles nunca trazem nada de bom para as pessoas. Mas as lutas fortaleceram o movimento e as pessoas. Nós nos conscientizamos de que todas as construções ou desenvolvimento nos retira o nosso modo de vida, que é, na verdade, genuinamente baseado na produção agroecológica.

A luta gera muitas iniciativas, e muitos membros do nosso movimento ficaram interessados nas iniciativas da escola de agroecologia ou no projeto de sementes. Uma das coisas que os mantém lutando é que muitos ainda se lembram do significado de uma vida boa. É um tipo de encorajamento ou inspiração para eles se manterem lutando para conseguir ela de volta.

O governo silencia e desencoraja as pessoas para fazê-los sentir que suas lutas são muito difíceis, que eles não vão vencer. Mas isso não é para a gente. Para a gente, quanto mais lutamos, mais vontade temos para superar o que quer que o governo imponha sobre nós.

As mulheres na Assembleia dos Pobres são uma força feroz. Na nossa estrutura, nós garantimos um equilíbrio de gênero em todos os órgãos ou atividades, como mobilizações, reuniões ou negociações. Mulheres são quase a metade do movimento, e elas são capazes de lutar com a mesma capacidade que os homens.

Em 2005 houve uma campanha internacional de 1000 mulheres para o Prêmio Nobel da Paz. Normalmente, os ganhadores do Prêmio Nobel da Paz são homens e indivíduos, mas as mulheres lutam coletivamente. Naquela época, nossa líder sênior, Wanida Morsa, foi contactada pelo projeto para dar seu nome como uma das 1000 mulheres. Ela disse que nós, mulheres da Assembleia dos Pobres, não lutamos individualmente. Então, no lugar de ter o nome dela como uma das 1000 mulheres, nós cadastramos um grupo de membros da AoP.

As lideranças camponesas que vieram antes de mim são minha inspiração. Durante as grandes mobilizações no último outubro de 2023, muitas mulheres lideranças do nosso movimento que estavam presentes lá sofreram confrontos com a polícia. Essas mães, tias e avós lutaram na linha de frente com uma força feminista potente. Quanto maior a força, mais fácil é lutar contra o patriarcado presente no sistema. Durante o confronto, nossas avós conseguiram lidar com a situação, prevenindo a violência que poderia acontecer se fossem homens na linha de frente.

Entrevista conduzida por Natália Lobo
Edição e tradução do inglês por Bianca Pessoa

 

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