Em defesa da poesia cubana: três poemas de Nancy Morejón 

23/06/2023 |

Por Capire

A retirada de uma homenagem à poeta Nancy Morejón no Mercado de Poesia de Paris gerou indignação internacional e uma campanha de solidariedade a Cuba

“Sou cria da Revolução Cubana”, afirmou recentemente à Revista Mujeres a poeta, tradutora e crítica literária Nancy Morejón. A autora propõe a poesia como um bem comum, uma experimentação em favor da paz, da transformação e da justiça social. Nancy tem um papel ativo nos circuitos artísticos de Cuba, tendo sido, durante anos, diretora do Centro de Estudos do Caribe da Casa das Américas.

Recebeu quatro vezes o Prêmio da Crítica por seus livros Nación y mestizaje en Nicolás Guillén (1982), Piedra pulida (1986), Elogio y paisaje (1997) e La Quinta de los Molinos (2000). Em 2001, ganhou o Prêmio Nacional de Literatura de Cuba e, em 2006, o Prêmio Internacional Coroa de Ouro da Macedônia. Neste ano de 2023, seria designada como presidenta de honra do Mercado de Poesia de Paris, mas sua nomeação foi retirada. A exclusão levantou uma campanha de solidariedade internacional à poeta e ao povo cubano, que sofre com as múltiplas formas de bloqueio e pressão imperialista. A campanha uniu organizações políticas de diversas partes do mundo e coletivos de arte como o Movimento Mundial de Poesia.

“Uma mulher negra que há anos tem um compromisso com a luta pela paz, contra o racismo e as desigualdades sociais e de gênero e pela liberdade dos povos”: assim a Federação de Mulheres Cubanas (FMC) descreve Nancy Morejón. Para a FMC, o fato foi uma manifestação de violência política. “Esse é mais um ataque da guerra cultural contra Cuba, contra uma mulher que está com as mulheres cubanas e compartilha suas batalhas pela emancipação, que tem presente, em sua obra poética, sonhos e desafios que estão além de nossas fronteiras.”, afirmou em nota a Federação.

Em declaração, a União Internacional de Editoras de Esquerda denunciou setores conservadores que pressionaram pela retirada da nomeação, vinculados ao PEN Clube francês. “Essa decisão não só vai contra todos os princípios da liberdade de expressão e de ideias, como também se rende às demandas de censura da direita e legitima os ataques sistemáticos dos EUA, da Europa e dos interesses do capitalismo global contra a cultura e a sociedade cubanas”.

Nas redes sociais, junto com manifestações de apoio, usou-se bastante a hashtag #CubaEsCultura. E, para difundir o acesso a essa cultura e apoiar o reconhecimento artístico entre as mulheres lutadoras do mundo, publicamos abaixo três poemas de Nancy Morejón em tradução livre do Capire: “Réquiem para a mão esquerda”, “Cimarrones”1 e “Renascimento”.

Réquiem para a mão esquerda

Para Marta Valdés

Sobre um mapa é possível traçar todas as linhas
Horizontais, verticais, diagonais
Do meridiano de Greenwich ao golfo do México
Que mais ou menos
Pertence à nossa idiossincrasia
Também há mapas grandes, grandes e grandes
Na imaginação
E infinitos globos terrestres
Marta
Mas hoje desconfio que num mapa bem pequeno
Mínimo
Desenhado em uma folha de caderno escolar
Pode caber toda a história
Toda.

Cimarrones

Quando olho para trás
e vejo tantos negros
quando olho para cima
ou para baixo
e os que vejo são negros
que alegria ver tantos de nós

quantos;

e por aí nos chamam de ‘minoria’
e no entanto
ainda nos vejo
É isso o que dignifica nossa luta
sair pelo mundo e ainda nos ver,
em Universidades e Favelas,
em Metrôs e Arranha-céus,
entre viradas e mutações
varrendo merda
parindo versos.

Renascimento

Filha das águas do mar
adormecidas em suas entranhas,
renasço da pólvora
que um rifle guerrilheiro
espalhou na montanha
para o mundo renascer por sua vez
para renascer todo o mar,
todo o pó
todo o pó de Cuba.

  1. Cimarrón é, em alguns países da América Hispânica, a designação para descendentes de africanos e africanas que resistiram ao domínio colonial espanhol e à escravidão, construindo assentamentos e comunidades independentes em regiões afastadas de onde eram escravizados. Hoje, a palavra segue sendo usada por ativistas negras/os que reivindicam essa história de resistência. []

Redação por Helena Zelic com apoio de Marilys Zayas
Tradução dos poemas por Luiza Mançano, com revisão de Helena Zelic

Artigos Relacionados