Na atual construção social, as mulheres alimentam e cuidam do mundo! Somos aguerridas, fortes e fazemos a luta por justiça.
Nós expomos a opressão sistêmica que afeta a saúde das mulheres, considerando mulheres todas as pessoas que assim se identificam, incluindo pessoas trans, não binárias e de gênero fluido.
Questões sistêmicas
O fim do capitalismo não será o fim do patriarcado, mas o fim do patriarcado será o fim do capitalismo. As economias capitalistas coloniais globais da atualidade dependem do trabalho reprodutivo das mulheres, do trabalho de cuidados não remunerado ou mal remunerado dentro das famílias e das comunidades, incluindo suas contribuições para os sistemas de saúde, para a provisão de alimentos e para a produção agrícola. As mulheres detêm uma parcela ínfima das terras férteis, mas são responsáveis pela produção e pela alimentação das famílias, comunidades e nações.
A exploração econômica das mulheres e das pessoas de gênero diverso
As mulheres realizam ao menos três quartos do trabalho de cuidados não remunerado, essencial para o funcionamento das economias capitalistas. É uma carga que leva a consequências graves para a saúde mental e o bem-estar. Sem ele, o trabalho assalariado e os mercados globais entrariam em colapso. É um trabalho que carrega marcas de gênero, raça, classe e casta: são as mulheres migrantes, racializadas e de castas historicamente oprimidas que em geral realizam as tarefas mais mal pagas e desvalorizadas nos setores de cuidados, doméstico, agrícola e industrial, em condições precárias e inseguras.
Nós reivindicamos o reconhecimento social e financeiro do trabalho das mulheres e a garantia dos direitos das mulheres de acessarem e terem a propriedade da terra e de outros recursos, a propriedade da produção, a autonomia financeira e educação para garantir sua independência econômica e política.
Enfrentando a violência sistêmica de gênero
A violência contra as mulheres é generalizada e inerente a todas as sociedades patriarcais. As mulheres e crianças-meninas sofrem com a violência sistêmica que leva ao feminicídio, à mutilação genital feminina, ao casamento forçado, à esterilização forçada e a histerectomia, à violência obstétrica, aos exames clínicos antiéticos, à falta de acesso ao planejamento familiar e ao aborto seguro, ao estupro e à violência sexual — e tudo isso leva a traumas que perduram por toda a vida.
As mulheres e meninas nas zonas rurais, nas áreas urbanas pobres, as mulheres racializadas, migrantes, de classes marginalizadas e castas oprimidas, incluindo mulheres indígenas, enfrentam impactos desproporcionais. Nós nos colocamos em forte solidariedade com as mulheres do Sudão, do Congo, da Palestina e outras que vivem em zonas de guerra e que seguem resistindo à violência e ao genocídio. Essa violência abala o direito das mulheres à saúde e também a nossa capacidade de participar nos movimentos por soberania alimentar, pois a sobrevivência e a segurança se tornam lutas constantes.
Precisamos reconhecer e acabar com a violência estrutural de gênero, humanizar as mulheres e as pessoas de gênero diverso, proteger seus direitos humanos, incluindo o acesso à saúde, ao aborto e ao planejamento familiar, e oferecer a base social para permitir que todas nós nos libertemos dos ciclos de violência.
Luta por saúde
A saúde das mulheres e das pessoas de gênero diverso não é determinada apenas por diferenças biológicas, mas por desigualdades estruturais arraigadas em nossas economias e nossos sistemas de saúde. Hoje, as pesquisas médicas, a prevenção e o tratamento são definidos por normas androcêntricas que sistematicamente ignoram e desvalorizam as necessidades dos corpos femininos.
Os índices de anemia, má nutrição, obesidade e deficiência de micronutrientes continuam crescendo ou se mantêm estagnados, impactando desproporcionalmente as mulheres em função de condições tanto biológicas quanto sociais. As mulheres são muito mais afetadas por doenças autoimunes, mas as pesquisas de suas causas e tratamentos continuam a receber financiamento insuficiente. Muitas doenças, como as cardiovasculares, se manifestam de forma diferente nos corpos das mulheres, mas essas diferenças não são bem compreendidas, levando a falhas de diagnóstico, tratamento inadequado e mortes que poderiam ser evitadas. É comum que problemas de saúde mental se tornem um peso carregado durante toda a vida, resultado desse sistema de desigualdade que nos afeta do útero à morte.
Essas desigualdades são agravadas pelo sistema alimentar global, que, dominado pelas corporações agroindustriais, prioriza o lucro em detrimento da nutrição, inundando comunidades com alimentos processados de baixa qualidade que alimentam doenças crônicas. Para as mulheres, o peso é duplo: sendo as principais responsáveis pelos cuidados e pelos alimentos, sustentamos famílias e comunidades, mas a nutrição adequada e o tempo de cuidar da nossa própria saúde ainda nos são negados.
Para combater isso, devemos desenvolver sistemas de saúde feministas, decentralizados e comunitários que coloquem as mulheres, meninas e pessoas de gênero diverso no centro, tanto como provedoras quanto como responsáveis pelas decisões. Que considerem e tratem das diferenças e necessidades do corpo feminino, incluindo na prevenção, no diagnóstico, no tratamento, no cuidado e na pesquisa. É preciso reconstruir sistemas alimentares e de saúde com base na soberania alimentar e na autonomia do corpos, apoiando a produção local e ecológica de alimentos e protegendo a amamentação, o conhecimento nutricional e o trabalho de cuidados.
Transformando o mundo através das mulheres
Transformar o mundo através das mulheres e das pessoas de gênero diverso começa com o reconhecimento de que o nosso trabalho é sistematicamente explorado para sustentar o sistema alimentar. E somos nós, precisamente, que lideramos a transformação desse sistema: desmantelando os mercados globais e as hierarquias enraizadas, substituindo-as pela produção de alimentos em cooperativas, com práticas ecológicas locais e comunidades abastecidas por energia renovável. Isso também significa acabar com o desequilíbrio estrutural de poder sobre a terra, a economia, a saúde e a educação, e reconstruir todos os setores a partir dos princípios da justiça. Significa reconhecer social e financeiramente o trabalho de cuidados e o trabalho das mulheres, reorganizando socialmente os cuidados.
Para a transformação, não se trata apenas de desmantelar, mas também de construir novos mundos. Um outro mundo não só é possível, como está a caminho.
As mulheres e as pessoas de gênero diverso carregam gerações de saberes na proteção das sementes, na agroecologia e na saúde comunitária. Nós carregamos as práticas de cuidado e solidariedade, resistência e criatividade que comprovam que já existem alternativas vivas. Nossas visões de justiça unem soberania alimentar, ação climática e o direito à saúde.
O fim da opressão das mulheres é o fim dos sistemas alimentares desiguais. A luta por saúde e soberania alimentar é uma só. E nós, mulheres e pessoas de gênero diverso, já protagonizamos essa luta.

Farah Shroff integra o Movimento pela Saúde dos Povos no Canadá. Esse artigo é uma versão editada de sua fala durante a Assembleia de Mulheres do 3.o Fórum Global Nyéléni.
