Nana Aïcha Cissé foi uma figura emblemática na luta pelos direitos das mulheres no Mali, na África e em nível internacional. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), ela lutou incansavelmente pelos direitos das mulheres e pela paz. Em uma homenagem realizada após seu falecimento em 9 de agosto de 2024, suas companheiras da MMM e outras parceiras de luta estiveram juntas para relembrar a história de Nana Aïcha e suas contribuições fundamentais para transição pela paz no Mali e pelo compromisso indefectível a favor dos direitos humanos. Esse texto reúne memórias e homenagens compartilhadas em um livro de ouro, com mensagens das coordenações nacionais da MMM no Benin, Costa do Marfim, Togo, Níger, Burquina Faso, Burundi, Senegal, Guiné, Tunísia, Argélia, Palestina, Marrocos, Líbano, Iraque, Curdistão, Brasil, pela Rede de Mulheres Líderes Africanas Mali [Réseau des Femmes Leaders Africaines — AWLN/Mali] e pelo Comitê Internacional da MMM.
“Nos últimos 25 anos, Nana Aïcha dedicou sua vida à construção de um movimento internacional. Ela era uma liderança e uma das fundadoras da Marcha Mundial das Mulheres. Era um dos pilares do nosso movimento no nível internacional”, compartilha Yildiz Temürtürkan, do secretariado internacional da MMM. “Sua voz, ao mesmo tempo suave e profunda, ergueu bem alto a luta feminista, que ela defendeu e reivindicou desde sua juventude. Sua obstinação em não abrir mão dos valores de igualdade e liberdade para todas as mulheres marcará para sempre a história do nosso movimento”, diz a nota da MMM da região do Norte da África e Oriente Médio (MENA).
Tratando-a como mulher guerreira, a coordenação nacional de Guiné fala como “tata Nana Aïcha Cissé dedicou sua vida à luta pela igualdade de gênero, desafiando as normas e rompendo as barreiras. Seu compromisso inabalável inspirou gerações de mulheres a se levantar e reivindicar seus direitos. Seja por meio do seu ativismo ou por seu compromisso com a comunidade, ela soube despertar as consciências e mobilizar as mentes. Aïcha sempre acreditou que toda mulher merece ser ouvida, respeitada e valorizada. Graças aos seus esforços, muitas mulheres encontraram forças para lutar por seus direitos, afirmar sua voz e realizar seus sonhos. O legado que ela deixa é de resiliência e esperança”.
Histórias e momentos
Como compartilhado pela coordenação nacional da MMM no Senegal, “desde sua chegada ao movimento, Nana Aïcha Cissé foi a força motriz para a elaboração de documentos que regem o movimento e para a mobilização internacional pelos direitos das mulheres. Como pioneira da Marcha Mundial das Mulheres, ela contribuiu para a estruturação e dinamização desse movimento mundial que soube aliar energia militante e visão estratégica para denunciar as violências sexistas e promover a igualdade de gênero.
Seu trabalho incansável foi marcado pela organização de grandes manifestações e de mobilização social em nível local, regional e internacional. Nana Aïcha não somente contribuiu com a visibilidade do movimento, mas também trabalhou pela implantação de redes de apoio às vítimas de violências e pela elaboração de políticas públicas com o objetivo de reforçar as proteções legais e sociais para as mulheres. Seu compromisso teve repercussões significativas, sobretudo nas mudanças legislativas, nas iniciativas comunitárias, nas parcerias com organizações internacionais.”
Além disso, Nana Aïcha foi fundamental na organização do primeiro Fórum de Soberania Alimentar Nyéléni, em 2007, no Mali que marcou a luta popular por soberania alimentar no mundo e cuja terceira edição acontece no Sri Lanka, em setembro desse ano. Graças à sua paixão e dedicação, Nana inspirou milhares de mulheres pelo mundo a combaterem as injustiças e as violências contra as mulheres.
“Para além de suas realizações tangíveis, Nana Aïcha assumiu um espírito de solidariedade e de resiliência que continua inspirando as gerações futuras. Seu comprometimento com a Marcha Mundial das Mulheres abriu caminho para avanços importantes e reforçou a esperança por um futuro em que toda mulher pode viver livre de violências e com dignidade”, concluem as militantes do Senegal.
Sobre a contribuição de Nana Aïcha para o internacionalismo da Marcha, Miriam Nobre, da MMM Brasil, fala sobre como ela trazia uma perspectiva panafricanista potente. Miriam compartilha a história bem-humorada sobre o acolhimento da Nana Aïcha durante o encerramento da 3ª Ação Internacional, que aconteceu no Mali em 2010. “Durante a ação que fizemos em Bukavu, havia uma travessia de barco. Foi tudo bem apavorante, porque o barco estava lotado. Quando descemos do outro lado, começou a chover torrencialmente e de repente a Nana Aïcha abre um guarda-chuva tão grande que nós todas coubemos dentro. Talvez seja exagero, mas é a memória que eu tenho. E acho que naquele dia percebi esse simbolismo do quanto ela era inusitada, porque nenhuma de nós tinha guarda-chuva, e ela tinha esse pensamento de acolher a gente no continente africano, de fazer a gente se sentir em casa também”.
Um alicerce pela paz e pela igualdade na África
As companheiras da MMM no Senegal também compartilham nos parágrafos abaixo como “compromisso inabalável de Nana Aïcha pela paz e pelos direitos das mulheres deixou marcas significativas na sub-região da África. Há muitos anos, ela dedica sua energia e experiência à promoção da paz e da justiça social em contextos muitas vezes marcados por conflitos e desigualdades. Sua determinação para estabelecer pontes de diálogo e promover soluções sustentáveis esteve no centro de sua atividade militante.
“Como membro da Rede Paz e Segurança para as Mulheres do Espaço CEDEAO (Réseau Paix et Sécurité pour les Femmes de l’Espace CEDEAO – REPSFECO) e militante comprometida, Nana também teve um papel essencial nas negociações pela paz, nas mediações, nos projetos de reconciliação comunitária, na gestão de conflitos etc. Seus esforços contribuíram para aliviar as tensões, reforçar a coesão social e apoiar as comunidades atingidas pelos conflitos, sobretudo no norte do Mali, no Burquina Faso e no Níger.
“Como membro da transição nacional do Mali, seu trabalho se traduziu na facilitação de diálogos pela paz, na implementação de programas de apoio às mulheres e crianças afetadas pelos conflitos. Graças à sua abordagem inovadora e ao seu compromisso infalível, Nana Aïcha Cissé conseguiu promover práticas inclusivas de resolução de conflitos e a dar luz às vozes muitas vezes marginalizadas nos processos de paz. Além de suas realizações profissionais, ela inspirou gerações de militantes, pesquisadores e pesquisadoras e cidadãos e cidadãs comprometidos(as). Seu exemplo de coragem, compaixão e perseverança continua motivando aqueles e aquelas que trabalham por um futuro pacífico e justo.”