“Esta revolução tem rosto de mulher”: feministas venezuelanas resistem à ofensiva imperialista

30/09/2024 |

ARG Medios e Capire

Diante das tentativas de golpe e de episódios de violência após o resultado eleitoral, duas militantes feministas analisam a conjuntura venezuelana

Após as eleições, a Venezuela passou a viver um clima de violência. Muitas militantes da base do chavismo foram atacadas. Duas lideranças feministas conversaram com o portal argentino ARG Medios e com o Capire sobre isso e sobre o trabalho que têm realizado em seus territórios, comentando a realidade política do país caribenho. Tamayba Lara tem 33 anos e é militante da União Comunal da Frente Cultural de Esquerda e se considera militante da Revolução Bolivariana desde que tinha 18 anos. Já Alejandra Laprea descreve sua militância como uma matrioska [boneca russa]: é artista, cineasta, criadora artística, comunicadora e artista visual. Ela faz parte da associação Tinta Violeta, que integra a rede de coletivos La Araña Feminista e a Marcha Mundial das Mulheres, representando a região das Américas no Comitê Internacional do movimento.

Ao mencionar o papel das mulheres em seus territórios, as militantes destacam que ele é parte fundamental da construção coletiva: “nós, mulheres, temos um papel muito importante em todos os processos de construção de base nos territórios e nas mobilizações, e também é assim na Venezuela. Somos 70 ou 80% entre os porta-vozes, lideranças comunitárias e lideranças políticas de base do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV)”, afirma Tamayba. Alejandra Laprea complementa: “esta revolução tem rosto de mulher, e tem também as mãos, pernas e corpos das mulheres”.

No dia 29 de junho, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou a vitória de Nicolás Maduro como presidente por mais um mandato, com 5,15 milhões de votos (51,2%) após a apuração de 80% dos votos. Já o principal candidato opositor, Edmundo González Urrutia, teve 4,45 milhões de votos (44,2%), em um pleito que contou com a participação de 59% da população, de acordo com as informações divulgadas pelo CNE. No entanto, uma parte da oposição ainda não aceitou a derrota nas urnas e pôs em ação uma ofensiva antidemocrática muito violenta.

Segundo Tamayba, essa ofensiva aconteceu nos territórios, impactando a vida das mulheres que atuam na liderança local: “Tivemos casos de mulheres assassinadas nas últimas eleições devido ao conflito eleitoral com a extrema direita, um conflito que se manifestou de diversas formas”, denuncia.

Por outro lado, Alejandra Laprea aponta que as mulheres foram “uma força mobilizadora para o voto” e também “para a conscientização e a reflexão sobre porque votamos e porque seguimos apoiando essa revolução como garantidora de paz e de um projeto de país socialista e feminista”.

Ela comenta ainda o papel das mulheres organizadas para promover a reflexão e a análise sobre as movimentações na conjuntura, com ofensivas e contraofensivas. “Estamos tentando reconhecer, além da vitória, nossos pontos fortes e fracos. Precisamos continuar reafirmando, a partir das nossas análises e da criação de uma consciência verdadeira, como sujeitas e sujeitos políticos, que não estamos cientes apenas das nossas opressões, mas também do nosso poder para transformá-las”.

Apesar da militância feminista ter assumido com força a tarefa de campanha eleitoral e de tudo aquilo que veio depois, há uma sensação de cansaço, “uma certa tristeza em passar novamente por uma situação lamentável, violenta, em que somos alvos do ódio”, expressa Alejandra. Diante de tanta cobrança política, ela afirma que é necessário “avaliar o quanto de responsabilidade temos realmente em tudo isso e o que realmente podemos resolver”. Tanto Tamayba quanto Alejandra colocam a questão de “como superar o ressentimento que existe” para poder continuar trabalhando e consertar o que é necessário. “A Revolução Bolivariana não é um processo perfeito”, dizem elas, “mas, sim, um processo capaz de se tornar perfeito à medida que todas e todos nós nos somamos a ele”.

Discurso fascista e redes sociais

Operando sob uma lógica imperialista e neoliberal, as redes sociais tiveram e ainda têm um papel fundamental nas disputas ideológicas sobre a Venezuela. No atual contexto, Elon Musk, bilionário e dono do X (antigo Twitter), colocou ainda mais lenha na fogueira assim que a direita venezuelana começou a denunciar a suposta fraude. Entre outras coisas, ele descreveu Maduro como um “ditador” e incitou a violência desatada nas ruas de Caracas após as eleições.

Alejandra conta que os comentários nas redes após as eleições trouxeram muito perigo para as companheiras: “elas foram intimidadas em suas casas e vivenciaram coisas muito dolorosas, como casas pichadas, lideranças expostas e uma forte exposição de dados pessoais sobre familiares e entes queridos nas redes sociais”, afirma.

Segundo elas, há algo por trás de tudo isso, que molda a opinião dos atores internacionais sobre a Venezuela: “aparecemos constantemente em séries de televisão, em filmes, em produtos que supostamente são apenas para entretenimento, mas, no fundo, sempre somos retratados como um Estado fora da lei, um Estado corrupto, um povo corrupto”, afirma Alejandra, que complementa: “de repente nos tornamos assunto de Estado para o reino da Espanha, assunto de debate para a União Europeia. Nisso, sempre se posiciona uma forma de nos enxergar”. Esse assunto se torna ainda mais complexo com a migração de pessoas venezuelanas, que em muitos países de chegada são recebidos com xenofobia, racismo e colonialismo.

“Os interesses transnacionais são os mesmos que oprimem o povo na Argentina e em outros lugares, e que buscam impor rótulos a territórios considerados descartáveis  – ‘esse pode ser explorado ao máximo’, ‘já aqui eu preciso de uma guerra para derrubar tal economia’, ‘aqui temos uma boa oportunidade para reativar a indústria de armas’”. No entanto, Tamayba comenta que isso também tem possibilitado promover um debate mais estrutural sobre as redes sociais, com “tudo isso que tem a ver com o controle de dados, com o direcionamento e a forma desses exercícios de manipulação em massa através da promoção de conteúdos de forma direcionada”. Por esse motivo, elas recomendam seguir buscando fontes alternativas comprometidas com os anseios populares e que fortaleçam as vozes que defendem a soberania. 

As duas militantes não ignoram as dificuldades desse cenário de golpe que precisa ser superado. Elas também expressam que, em momentos como esse, a militância tem que ser ainda mais ativa. Como diz Tamayba, é preciso travar “uma disputa por avanços, pelo nosso bem-estar, pela nossa dignidade como povo, pelos direitos que conquistamos, pelo poder das mulheres. Todas essas são lutas que precisamos seguir construindo, desenvolvendo e impulsionando nacionalmente, acompanhadas por nossas companheiras e nossos irmãos em nível internacional, para impedir que a direita continue a nos encurralar e negar todas as conquistas do povo venezuelano”. E concluem: “o caminho é árduo, mas é nosso, é o caminho que escolhemos percorrer, e, acima de tudo, aquele que nós, mulheres em revolução, escolhemos percorrer”.

Entrevista e redação por Erika Gimenez e Helena Zelic
Traduzido do espanhol por Luiza Mançano
Idioma original: espanhol

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