O poema “Irmã outsider”¹ faz parte do livro A unicórnia preta [The Black Unicorn], de Audre Lorde, publicado em 1978 no Estados Unidos. Nele, Lorde versa sobre a experiência e a luta das mulheres negras pela vida, através de elementos que simbolizam a relação com o mundo, as crenças, a natureza e com outras mulheres. Essa relação se amplia quando as mulheres rompem com o silêncio e o medo e transformam a solidão em força e aprendizado.
O poema “Irmã outsider” leva o mesmo nome de seu poderoso livro de ensaios publicado em 1984. A coincidência do título é mais um exemplo de como seus poemas são embebidos pelas inquietações e propostas políticas articuladas em seus ensaios, e vice-versa. No livro, Lorde propõe uma visão feminista e antirracista sobre a escrita da poesia, a pedagogia, a sexualidade e as estratégias de resistência das mulheres negras. Segundo ela, “os horizontes mais longínquos das nossas esperanças e dos nossos medos são pavimentados pelos nossos poemas, esculpidos nas rochas que são nossas experiências diárias” . ²
Irmã outsider
Nós nascemos num tempo pobre
nunca tocando
a fome uma da outra
nunca
partilhando nossas cascas
por medo
do pão transformado em inimigo.
Agora criamos nossos filhos
para respeitarem a si mesmos
assim como uns aos outros.
Agora você tornou a solidão
sagrada e útil
e não mais necessária
agora
sua luz brilha intensamente
mas quero que você
saiba
sua escuridão também
é fértil
e supera o medo.
¹ Outsider é uma palavra em inglês que designa aquela pessoa que está “de fora”. Audre Lorde usa o termo para expressar a condição de mulheres negras “cujas experiência e tradição são ‘alheias’ demais para serem compreendidas”.
² O trecho é do ensaio “A poesia não é um luxo”, que faz parte de Irmã outsider.
O poema foi traduzido por Stephanie Borges e faz parte do livro A unicórnia preta (Relicário edições, 2020).