Bertha e Laura Zúñiga são integrantes do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh) e filhas da militante feminista ambientalista Berta Cáceres, assassinada em 2016. Há oito anos, os movimentos populares de Honduras lutam por justiça para Berta. Uma das primeiras demandas do movimento desde o início foi a investigação dos autores intelectuais do crime. “Temos uma exigência muito forte para evidenciar quem são os atores, o que está por trás do assassinato da minha mãe, quais interesses quiseram beneficiar com o assassinato”, explica Laura.
A pressão pela investigação do caso resultou em um julgamento, realizado em 2018, e na condenação, em 2019, de oito homens, sendo eles sete autores materiais do crime e David Castillo, que fazia a mediação entre os mentores intelectuais e os demais. Os oito tinham ligações com a empresa responsável pelo projeto hidrelétrico que Berta e o Copinh denunciavam, o projeto Agua Zarca, no rio Gualcarque. Apesar do julgamento, ainda não foi dada a sentença aos culpados, tampouco foram responsabilizados os autores intelectuais. Por isso, o Copinh mantém sua pressão por justiça.
Para Bertha e Laura, a investigação sobre o assassinato de sua mãe marca uma mudança no padrão de investigações de crimes contra defensores e líderes populares. Segundo elas, a taxa de impunidade para autores materiais de crimes de diversos tipos é de 90% em Honduras. “Nesse contexto, consideramos esta uma vitória popular contra um sistema de impunidade”, defende Bertha. Ela diz que “dentro dos sistemas de justiça há peças que funcionam e trabalham para a perseguição de lideranças sociais e para a impunidade dos grupos econômicos. Este foi um crime em que conseguimos identificar a participação de estruturas de matadores de aluguel, de estruturas militares e também de um grupo econômico muito poderoso em Honduras, que é a família Atala Zablah”. A família Atala Zablah está profundamente ligada a setores do extrativismo na América Latina, e um de suas integrantes, Daniel Atala Midence, recebeu uma ordem de prisão pelo caso de Berta.
Na entrevista realizada em 5 de junho de 2024, Bertha e Laura falaram sobre o andamento da investigação e da condenação. A entrevista foi conduzida coletivamente por mais de 20 meios de comunicação e organizações populares aliadas que compõem a Alba Movimentos em diversos países da América Latina e do Caribe. Leia abaixo a tradução da entrevista abaixo ou escute em seu idioma original.
Por quais motivos se atrasa ou adia tanto a sentença?
Laura: Ela é adiada porque há muitos interesses pressionando para que não haja confirmação da sentença. Isso tem a ver com o fato de tentarem atrasar e boicotar o processo de Justiça para minha mãe. Sabemos que, mesmo dentro do Judiciário, há todo um debate sobre as interferências que estão ocorrendo por parte desse poderoso grupo econômico. Agora cabe a nós, como movimentos populares, proteger essas sentenças e sua confirmação.
Qual é a atitude do governo hondurenho em relação a este caso particular? Vocês acham que contribui para a causa de forma favorável ou cria maiores condições para a impunidade?
Bertha: Justiça para Berta Cáceres foi tema de campanha do governo de Xiomara Castro, nossa presidenta. No âmbito do Poder Executivo, foi estabelecida uma petição específica sobre a qual acreditamos ter algum progresso. Há um elemento muito importante: a questão da justiça para Berta continua dependendo quase exclusivamente do poder judicial. O poder executivo não tem formalmente um nível de incidência nessas decisões. Até o momento, e muito especificamente com a questão da resolução dessas sentenças, o Supremo Tribunal de Justiça não emitiu qualquer comunicação pública. Então, acho muito importante que as organizações que fazem parte da Alba Movimentos também possam realizar ações destinadas a garantir que o governo mantenha a coerência do discurso e faça ações para o bem do processo de justiça.
Quais estratégias jurídicas e políticas continentais podem ser úteis nesta fase em que estamos agora?
Laura: Recorremos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as medidas de proteção que minha mãe tinha, e que o Copinh e as vítimas desse caso têm. Uma das coisas que tentamos é evidenciar a nível internacional a negligência e a opção de se omitir em relação aos cuidados que Berta Cáceres necessitava. É importante também manter-se informado e, pouco a pouco, quebrar o cerco midiático dos meios de comunicação hegemônicos, porque esse caso também simboliza o caso de muitas outras mulheres que defenderam os seus territórios e que enfrentaram o sistema capitalista racista patriarcal.
Bertha: No Copinh, definimos algumas ações importantes, como o envio de cartas ao Supremo Tribunal de Justiça. Não precisam ser pessoas, organizações ou instituições dedicadas ao mundo jurídico do litígio, podem ser organizações e cartas gerais, que podem ser entregues diretamente na Câmara Criminal do Supremo Tribunal de Justiça. Qualquer ação pública que demonstre preocupação é boa, até mesmo ações do próprio governo hondurenho, já que se trata de um assunto de campanha.
Para nós é muito importante que isso acompanhe o processo organizativo do Copinh e que consiga dar visibilidade a outras vítimas que não estão diretamente relacionadas com este caso, como os povos indígenas, mulheres assassinadas e defensores. Isoladamente, isso também não faz muito sentido sem o impacto jurídico no aprofundamento das nossas próprias capacidades organizacionais e no reforço das próprias mensagens da nossa companheira Berta Cáceres para Honduras, para os nossos desejos de transformação, para a região em âmbito continental.
Vocês acham que, na abordagem da justiça, houve avanço em relação a perspectiva de gênero ao longo do tempo em que o caso está em andamento?
Laura: Acredito que também tenha sido uma disputa para que o Copinh consiga abordar e demonstrar dentro das instituições de justiça como uma mulher indígena é agredida. A questão de gênero e dos corpos racializados foi abordada e acredito que tenha sido um avanço, porque foi uma luta em que foram incorporados peritos que investigam como o tecido das comunidades indígenas foi historicamente rompido e como procuraram destruir as comunidades com o específico ataque contra uma mulher, o que é muito diferente da forma como os homens são atacados.
Nesse sentido, acredito que o julgamento foi também um momento para ensinar ao sistema de justiça hondurenho como abordar as mulheres indígenas, defensoras e combatentes. A mídia hegemônica procura minimizar as nossas vozes e isso também tem a ver com minimizar a diversidade. Procuraram não só dizer que se tratava de um homicídio e nada mais, mas também dizer que se tratava de um “crime de saia”, uma forma nefasta de chamar o feminicídio e também de retirar o elemento de homicídio de uma defensora que tinha muitas outras ameaças e ataques.
Qual é a situação atual da luta ambiental em Honduras e quais são os principais desafios que o movimento ambientalista enfrenta neste momento?
Bertha: Infelizmente, Honduras continua figurando como um dos países mais perigosos para a defesa da Mãe Terra, dos bens comuns, da terra e do território. Temos casos muito delicados em nosso país, como os da região de Bajo Aguán, no litoral norte, onde muitos líderes sociais foram assassinados impunemente. Sempre falamos sobre a articulação dos grupos econômicos em nosso país. Embora este seja um caso emblemático que quebrou toda a norma do que vem acontecendo em nosso país, é importante que contribua de alguma forma para o esclarecimento da situação de outras pessoas assassinadas que continua acontecendo em Honduras.
Embora haja vontade de mudar, essas estruturas criminosas permanecem intactas. Continuamos tentando vincular a questão financeira e econômica da corrupção a esse tipo de caso, porque é muito evidente. Mesmo a questão dos assassinatos de mulheres, das redes de tráfico e dos feminicídios continua a ser uma constante porque a questão da justiça é um desafio. Nós acabamos conhecendo um pouco mais a Justiça internamente. Realmente, é uma coisa que, para dizer de forma popular, dá calafrios, te deixa de cabelos em pé. Existem muitos interesses políticos e econômicos de toda índole.
Laura: Em relação aos desafios, eu colocaria essa questão da impunidade. É difícil continuar a luta em meio a tanta impunidade e tantos crimes. Também é uma luta procurar realmente o reconhecimento dos direitos das vítimas e das organizações. Historicamente, nós conseguimos em um julgamento – o julgamento de corrupção e fraude envolvendo Gualcarque – que o Copinh e o conselho indígena da comunidade de Rio Blanco fossem considerados vítimas formais. Isso nunca tinha acontecido em nosso país.
Além disso, é claro, devemos procurar o reconhecimento integral dos direitos das comunidades indígenas. Às vezes a questão ambiental tem sido pensada ou falada de forma abstrata, como se onde há meio ambiente não existissem comunidades e, portanto, não existissem direitos. Continuamos dizendo: protegemos 85% das áreas de reserva e florestas do nosso país. As medidas ambientais não podem ser tomadas sem considerar os nossos direitos enquanto comunidades. As leis não nos consideram gestores de áreas protegidas. Um desafio final é encontrar soluções reais. Hoje, o próprio capitalismo forneceu tantas soluções ambientais falsas que convencem até mesmo as pessoas no governo. Há uma grande batalha que temos que travar para encontrar soluções reais para uma crise ambiental e climática que tem significado uma violação sistemática dos direitos dos sujeitos cuja responsabilidade é proteger essa natureza e esses bens comuns.
Laura: A luta por justiça para Berta está imersa na luta por justiça para o povo Lenca. Continuamos lutando para que o rio Gualcarque corra livre, porque está atualmente sob concessão e, portanto, faz parte dos processos de corrupção para a concessão do rio. Uma vez que as pessoas foram condenadas, vamos nos dando conta de como funciona o extrativismo em Honduras e como essa concessão também funcionava ilegalmente. As comunidades Lenca organizadas no Copinh continuam a exigir direitos que historicamente lhes foram negados. A organização continua ativa.